Meu nome é Humberto Moreira. Sou jornalista e na época do naufrágio do barco Novo Amapá eu estava na direção do departamento de jornalismo da Rádio Nacional. Um imprevisto ocorrido com o companheiro Paulo Silva, obrigou-me a embarcar no empurrador Pajé, na noite do dia 7 de janeiro, rumo ao local da tragédia.
A notícia do naufrágio chegou a Macapá no começo da tarde do dia 7 de janeiro. Mas as informações eram muito vagas. Ninguém sabia ao certo quantas pessoas estavam à bordo do barco sinistrado. Havia um boato que dava conta que a Jari Florestal mandaria uma balsa para socorrer as vítimas. O governo demorou para tomar as primeiras providências. Só quando os primeiros sobreviventes chegaram a Santana foi composta a equipe de resgate.
Na manhã do dia 8 chegamos ao local da tragédia do Novo Amapá. Parte do barco estava fora dágua, numa demonstração de que o pânico acabou matando muita gente naquela fatídica noite.
O quadro era Dantesco. Dezenas e dezenas de cadáveres boiando nas águas barrentas do Cajari, no lugar chamado de Ponta dos Aruans.
No resgate estavam: o doutor Torrinha, um enfermeiro, sete soldados voluntários do exercito. três policiais militares e mais duas embarcações pequenas, (Dias e Colares)que traziam os corpos amarrados uns aos outros em adiantado estado de putrefação, exalando um odor que entranhava em nossas roupas. Um guindaste (pau de carga) manuseado pelos soldados, embarcou 192 cadáveres, empilhando-os na balsa uns sobre os outros. Foram dois dias de trabalho. Durante o dia aviões atiraram frascos de formol no rio. A substânciae foi aplicada sobre os mortos sem fazer muito efeito. Caixas de leite em pó, carne em conserva e cachaça, eram jogadas no rio para que as voadeiras apanhassem. Os tripulantes do empurrador estavam constantemente embriagados, chorando nos corredores. Ninguém estava preparado para um choque daquele tamanho.
O comandante Marapanin, totalmente transtornado, falava em atracar direto em Santana. Manoel Antônio Dias, na época secretário de obras do TFA, pediu a mim e ao médico Torrinha para não deixar o comandante trazer a balsa direto para para o porto, onde milhares de pessoas esperavam nossa chegada.
A Rádio Nacional teve um papel importante, informando o andamento do resgate. Utilizando o equipamento de comunicação da embarcação consegui passar mais de trinta flashes. Conosco um motorista que perdeu toda a família, procurava identificar seus entes queridos. Tudo em vão.
No dia 10 de janeiro fundeamos na entrada do Rio Matapi, onde os corpos foram colocados nos caixões. Uma equipe veio do porto para auxiliar nos trabalhos. Mas ao chegar perto da balsa, muitos quiseram pular no rio, tal era a intensidade do odor e ainda devido o quadro horripilante dos corpos empilhados uns sobre os outros.
Quando saltei em terra permaneci alguns minutos perambulando pela área do porto, até que alguém me levou a uma barraca, onde fui imunizado. Um carro da Radiobrás me trouxe para Macapá. Ao chegar na minha casa fiquei mais de uma hora tomando banho. Porém parecia que o mau cheiro continuava presente. Ele estava dentro de mim, nos meus pulmões. Por fim consegui dormir, depois de 72 horas sem pregar os olhos. As imagens, infelizmente continuam gravadas em minha memória. Trata-se da reportagem que eu nunca gostaria de ter feito. (Humberto Moreira)
Em 18 de janeiro de 1989, a revista VEJA, desta data, publica reportagem sobre o barco Novo Amapá, palco do naufrágio fluvial, agora navegando com o nome de Santo Agostinho:
FONTE:COISAS DO AMAPÁ
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