quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A VERDADE BEM MENOS SENSACIONALISTA SOBRE A ‘ESPOSA’ DE JESUS – MICHAEL J. KRUGER



Desde a descoberta dos “Evangelhos Gnósticos” em Nag Hammadi em 1945, estudiosos e o público em geral parece ter inesgotáveis versões alternativas da vida de Jesus. O Evangelho de Tomé, o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Maria, e mais recentemente, o Evangelho de Judas, levantaram questões provocativas sobre o Cristianismo. Histórias de Jesus foram intencionalmente omitidas do Novo Testamento? Estas versões alternativas do Cristianismo foram reprimidas (ou oprimidas)? E os evangélicos canônicos realmente nos dão uma descrição fiel de Jesus?
Justamente quando a poeira baixou depois da descoberta do Evangelho de Judas, uma nova descoberta agora reabriu todas estas questões. Durante meu intervalo de almoço ontem (ironicamente justo antes de eu começar minhas palestras sobre os evangelhos apócrifos), eu recebi a notícia de um novo manuscrito que retrata Jesus como tendo uma esposa. Isso é notável, pois — apesar das afirmações do O Código Da Vinci — nós não possuímos nenhum texto dentro de todo o Cristianismo que diga explicitamente que Jesus era casado.
Este novo manuscrito — apropriadamente intitulado de o Evangelho da Esposa de Jesus — é um fragmento de um códice do quarto século em copta (Sahídico) que em um lugar se lê: “Jesus lhes disse: ‘Minha esposa… ela será apta de ser minha discípula’”. O fragmento é bem pequeno (4 x 8 cm), com escrita desbotada no verso. O texto principal está escrito em uma caligrafia limitada e semi alfabetizada. Mais notavelmente, Karen King da Universidade de Harvard sugeriu que ainda que o manuscrito seja do quarto século, a composição original deve ser datada para a metade do segundo século.
Então, o que devemos fazer com esta nova descoberta? Eis aqui diversas considerações.

AUTENTICIDADE

A falsificação não é incomum no mercado de antiguidades. Eu não sou um especialista em paleografia copta (minha área são os manuscritos gregos), mas me preocupa a aparição inicial do manuscrito. Em particular, a natureza desleixada da caligrafia do escriba, e as pinceladas largas e indiferenciadas da pena pareceram problemáticas. Além disso, a cor da tinta parece incorreta — é muito escura, quase como se tivesse sido pintada. Tintas antigas tendem a ser mais de cores mais claras, apesar de haver exceções. Este cenário é exacerbado pela ambiguidade sobre o local de sua descoberta e a identidade de seu proprietário anônimo.
Contudo, de acordo com o artigo* disponível de Karen King, este manuscrito foi examinado por Roger Bagnall e AnnMarie Luijendijk, dois estudiosos respeitáveis, e ambos o consideraram autêntico e atribuíram o estranho estilo à pena grossa do escriba. Outras indicações de autenticidade são o uso da nomina sacra (abreviações de certas palavras) e a tinta desbotada no verso da página (algo que teria necessitado de tempo considerável). Mas meu amigo e estudioso copta, Christian Askeland*, é cético quanto à sua autenticidade devido a, entre outras coisas, a estranha formação de algumas de suas letras (em especial o épsilon) e as omissões no texto copta. Outros estudiosos também expressaram ceticismo* sobre o fragmento.
Neste ponto, não há maneira de saber se ele é genuíno ou uma falsificação. Não podemos ter certeza até que mais estudiosos tenham uma oportunidade de examiná-lo.

COMPOSIÇÃO

Assumindo por um momento que o manuscrito seja genuíno, ainda restam questões sobre sua composição. Primeiramente, com que tipo documento estamos lidando aqui? À primeira vista, o documento parece ser escrito como um texto similar a um evangelho que contem histórias e ditos de Jesus. De fato, Jesus parece estar fazendo o que ele freqüentemente faz em outros textos dos evangelhos: ele está tendo uma conversa com seus discípulos. Alguns estudiosos sugeriram que este fragmento pode ser um texto mágico como um amuleto, particularmente devido a seu pequeno tamanho. Contudo, amuletos normalmente não continham escritos no verso da página. Se o escrito no verso deste fragmento for continuação da frente (o que é desconhecido até agora) então ele pode simplesmente ser um códice miniatura. Códices miniaturas eram populares no Cristianismo primitivo e freqüentemente continham textos apócrifos. Para mais sobre este assunto, veja meu artigo aqui*.
Outra questão diz respeito à data da história que este fragmento contém. Quando esta história foi composta? King argumenta que ela foi composta em meados do segundo século baseada largamente em nas amplas similaridades com o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Filipe, ambos cujos existiram durante este intervalo de tempo. Esta é certamente uma possibilidade, especialmente visto que conhecemos diversos outros evangelhos apócrifos que foram compostos no segundo século (por exemplo, Evangelho de Pedro, P. Egerton 2, P.Oxy. 840). Contudo, este argumento não requer uma data no segundo século. Esta história pode ter sido escrita no terceiro século e pode ter simplesmente esboçada sobre escritos como o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Filipe.
O mais importante, não há nada que indicaria que a composição deste evangelho deva ser datada do primeiro século. Ele foi produzido muito depois do tempo dos apóstolos, juntamente com outros evangelhos apócrifos conhecidos.

VALOR HISTÓRICO

A questão chave é se este registro do evangelho em particular pode nos dizer qualquer coisa sobre como Jesus de fato era. Este texto prova que Jesus tinha uma esposa? Este evangelho fornece informação histórica confiável? Não e não. Não há razão para pensar que este evangelho guarde tradição autêntica sobre Jesus. Ele é uma produção tardia, não baseada no depoimento de testemunhas, e igualmente se esboça sobre outros trabalhos apócrifos como Tomé e Filipe.
Além disso — e isto é fundamental — nós não temos uma única fonte histórica em todo o Cristianismo primitivo que sugira que Jesus fosse casado. Nenhuma. Não há nada sobre Jesus ser casado nos evangelhos canônicos, nos evangelhos apócrifos, nos pais da igreja, ou em qualquer outro lugar. Mesmo que este novo evangelho declare que Jesus fora casado, isto está em desacordo com todas as outras evidências históricas verossímeis que temos sobre sua vida. Como a própria King observou: “Este é o único texto antigo remanescente que explicitamente retrata Jesus referindo-se a uma esposa. Contudo, ele não fornece evidência de que o Jesus histórico tenha sido casado” (p. 1 aqui*).

CONSPIRAÇÕES E OS EVANGELHOS CANÔNICOS

Todo mundo adora uma boa teoria da conspiração. Certamente seria muito mais divertido para nossa cultura se alguém pudesse mostrar que os livros apócrifos fossem de fato a Escritura da igreja primitiva e que eles foram reprimidos pelas maquinações políticas da igreja posterior (por exemplo, Constantino). Mas a verdade é muito menos sensacionalista. Enquanto aos livros apócrifos tenha sido concedido algum status escritural de tempos em tempos, a esmagadora maioria dos cristãos primitivos preferiam os livros que agora estão em nosso cânon do Novo Testamento. Desta forma, somos lembrados novamente de que o cânon não foi arbitrariamente “criado” pela igreja no quarto ou quinto século. As afirmações da igreja posterior simplesmente refletiu o que já era o caso por muitos, muitos anos.
Quando se trata desse tipo de questão eu gosto de lembrar meus alunos de um simples — mas frequentemente negligenciado — fato: de todos os evangelhos no Cristianismo primitivo, apenas Mateus, Marcos, Lucas e João são datados do primeiro século. Claro, há pequenas tentativas de colocar livros como o Evangelho de Tomé no primeiro século — mas tais tentativas não foram bem recebidas pelos estudiosos bíblicos. Assim, se realmente queremos saber como Jesus era, nossa melhor aposta é confiar nos livros que foram ao menos escritos durante o período de tempo quando as testemunhas ainda estavam vivas. E apenas quatro evangelhos satisfazem este padrão.
Michael J. Kruger é professor de Novo Testamento no Seminário Teológico Reformado em Charlotte, Carolina do Norte, e o autor de Canon Revisited: Establishing the Origins and Authority of the New Testament Books* (O Cânon Revisto: Estabelecendo as Origens e a Autoridade dos Livros do Novo Testamento) (Crossway, 2012). Ele bloga regularmente no Canon Fodder*.


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