Por Kevin DeYoung*
Se os pregadores do passado em alguns
momentos sofreram de uma fascinação doentia pelo inferno, os ministros de hoje,
incluindo não poucos líderes emergentes, são culpados de uma ambivalência
indevida sobre o assunto. [...] É certo que não existe espaço para leviandade
no que se refere à ira de Deus, mas será que não há lugar para uma advertência
apaixonada e viva? Não é bíblico deixar para trás o agnosticismo em relação ao
inferno e implorar às pessoas em favor de Cristo, dizendo “reconciliem-se com
Deus” (2Co 5:20)? Será que nosso evangelismo se degenera, nossa pregação carece
de autoridade e nossas congregações perdem foco porque não temos a doutrina do
inferno bem clara diante de nós para colocar nossa face como seixo na direção
de Jerusalém?
Precisamos da doutrina da punição
eterna. Por repetidas vezes no Novo Testamento descobrimos que entender a
justiça divina é essencial para nossa santificação. Crer no julgamento de Deus
de fato nos ajuda a ser mais semelhantes a Jesus. Em resumo, precisamos da doutrina
da ira de Deus.
Primeiro, precisamos
da ira de Deus para nos mantermos honestos em relação ao evangelismo.
Paulo discutiu com Félix sobre justiça, domínio próprio e juízo vindouro (At 24:25).
Precisamos fazer o mesmo. Sem a doutrina do inferno, nossa tendência é nos
envolvermos em todo tipo de coisas importantes que honram a Deus, mas
negligenciarmos aquilo que importa para toda a eternidade, que é insistir com
os pecadores a que se reconciliem com Deus.
Segundo, precisamos
da ira de Deus para perdoar nossos inimigos. A razão de podermos
abrir mão de pagar o mal com o mal é que confiamos na promessa do Senhor,
segundo a qual ele retribuirá os ímpios. A lógica de Paulo é sadia. “Amados,
nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: ‘Minha
é a vingança; eu retribuirei’” (Rm 12:19). A única maneira de deixar para trás
nossas feridas mais profundas e as traições que sofremos é descansar seguros de
que todo pecado contra nós foi pago na cruz ou será punido no inferno. Não
precisamos buscar justiça com as próprias mãos, pois Deus será nosso justo
juiz.
Terceiro, precisamos
da ira de Deus para podermos arriscar nossa vida em favor de Jesus.
A devoção radical necessária para sofrer pela palavra de Deus e o testemunho de
Jesus vem, em parte, da segurança que temos de que Deus nos vindicará no final.
É por isso que os mártires embaixo do trono clamarão: “Até quando, ó Soberano,
santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o
nosso sangue?” (Ap 6:10). Eles pagaram o preço derradeiro por sua fé, mas seus
clamores manchados de sangue serão respondidos um dia. Sua inocência será
estabelecida quando Deus finalmente julgar os que os perseguiram.
Quarto, precisamos
da ira de Deus para viver uma vida santa. Paulo nos adverte de que
Deus não pode ser zombado. Colheremos aquilo que plantarmos. Somos levados a
viver uma vida de pureza e boas obras em função da recompensa prometida pela
obediência e a maldição prometida pela desobediência. Se vivermos para agradar
à carne, colheremos de Deus a destruição. Mas, se vivermos para agradar ao
Espírito, colheremos a vida eterna (Gl 6:6-7). Às vezes os ministros hesitam
diante da ideia de motivar pessoas com a ameaça da punição eterna. Mas não foi
essa a abordagem de Jesus quando ele disse “não tenham medo dos que matam o
corpo, mas não podem matar a alma. Antes, tenham medo daquele que pode destruir
tanto a alma como o corpo no inferno” (Mt 10:28)? Às vezes precisamos literalmente
arrancar o inferno das pessoas por meio do medo.
Quinto, precisamos
da ira de Deus para entender o significado da misericórdia. Sem a
ira divina, a misericórdia divina não tem sentido. Somente quando sabemos que
éramos merecedores da ira (Ef 2:3), que já estávamos condenados (Jo 3:18) e que
enfrentaríamos o inferno como inimigos de Deus, não fosse a misericórdia
imerecida (Rm 5:10), é que podemos cantar de todo o coração “preciosa a graça
de Jesus, que um dia me salvou”.
Sexto, precisamos
da ira de Deus para entender como o céu será maravilhoso. Jonathan
Edwards é famoso (ou mal-afamado) por seu sermão “Pecadores nas mãos de um Deus
irado”. Ele ainda é lido nas aulas de literatura americana, normalmente como
uma caricatura do espírito puritano da Nova Inglaterra colonial. Mas poucas
pessoas percebem que Edwards também pregou sermões como “O céu é um mundo de
amor”. Diferentemente da maioria de nós, Edwards via em cores vívidas o terror
do inferno e a beleza do céu. Não podemos ter um quadro claro de um sem o
outro. É por isso que a descrição da Nova Jerusalém celestial também contém uma
advertência aos covardes, aos incrédulos, aos depravados, aos assassinos, aos
que cometem imoralidade sexual, aos que praticam feitiçaria, aos idólatras e
aos mentirosos, cujo lugar “será no lago de fogo que arde com enxofre” (Ap
21:8). É improvável que desejemos nossa salvação final sem saber do que somos
salvos.
Sétimo, precisamos
da ira de Deus para sermos motivados a cuidar de nossos irmãos pobres.
Todos nós conhecemos a afirmação de que os cristãos estão de tal modo voltados
para o céu que não prestam para nada na terra. A idéia é que, se tudo o que
pensarmos for apenas céu e inferno, terminaremos ignorando ministérios de
compaixão e justiça social. Mas que melhor impulso para a justiça social do que
a sóbria advertência de Jesus de que, se deixarmos de cuidar do menor de nossos
irmãos, iremos para a punição eterna? (Mt 25:31-46)? A ira de Deus é um
motivador para que mostremos compaixão aos outros, pois, sem amor, como diz
João, não temos a vida eterna e, se não compartilharmos nossos bens materiais
com os que passam necessidades, não temos amor (1Jo 3:17).
Oitavo, precisamos
da ira de Deus para nos prepararmos para a volta do Senhor. Devemos
manter as lâmpadas cheias, os pavios aparados, as casas limpas, a vinha
cuidada, os trabalhadores ocupados e os talentos investidos a fim de que não
sejamos pegos despreparados no dia do acerto de contas. Somente quando crermos
plenamente na ira iminente de Deus e tremermos diante da idéia da punição
eterna é que ficaremos despertos, alertas e preparados para que Jesus venha
outra vez e julgue os vivos e os mortos.
*Trecho extraído do capítulo 9 do
excelente livro Não quero um pastor bacana - e outras
razões para não aderir à igreja emergente, de Kevin DeYoung
e Ted Kluck (São Paulo: Mundo Cristão, 2011).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é importante! Através dele terei oportunidade de aprender mais! Muito obrigado!