Idealizada por pesquisadores da USP, com
o apoio da ONU, a criminalização da palmada tem como objetivo abolir o pátrio
poder, impondo às famílias a tutela totalitária do Estado
José Maria e Silva
O casamento, longe de ser uma expressão
do amor romântico, é uma instituição do contrato social. A tradicional frase
“enfim sós”, que os noivos se dizem mutuamente ao iniciar a lua de mel, não
passa de uma figura de retórica. A rigor, desde o instante em que o casamento é
celebrado, no cartório ou na igreja, os casais jamais ficarão a sós — a
sociedade sempre estará entre eles. O casamento é uma espécie de triângulo
social, formado pelos noivos que disseram “sim” e pela sociedade que lhes dirá
“não” sempre que um deles quiser infringir o contrato social firmado diante
dela. Mesmo quando se revela a própria chave da felicidade íntima,
concretizando o amor romântico, o casamento nunca fecha totalmente suas portas
à sociedade — ela está sempre espreitando o casal por meio das regras morais da
religião, das leis civis do Estado e ou do legado familiar de cada um.
Por isso, é natural que o Estado
brasileiro, como qualquer outro Estado do mundo, queira se intrometer na vida
dos casais. Essa intromissão é necessária devido aos filhos, que compõem o
perfil da maioria das famílias. Por delegação da sociedade, o Estado,
juntamente com outras instituições, tem o dever de zelar para que os filhos
sejam educados e assistidos pelos pais até se tornarem capazes de cuidar da
própria vida. No Brasil, a lei que deveria zelar pela saudável convivência
familiar é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 13 de
julho de 1990. O problema é que ele não foi criado com o objetivo de
fortalecer as relações familiares, prescrevendo deveres mútuos para pais e
filhos, à luz dos costumes da própria sociedade; pelo contrário, o ECA é a
principal arma dos movimentos revolucionários que usam o Estado capitalista
para criar o utópico “homem novo” socialista. Prova disso é a chamada “Lei da
Palmada”, que acaba de ser aprovada no Congresso Nacional e criminaliza os pais
por uma simples palmada nos filhos.
Uma lei da universidade e da ONU
O Estatuto da Criança e do Adolescente,
que se torna ainda mais nocivo com a Lei da Palmada, não foi pensado para
atender os interesses da criança cordata, que respeita pai e mãe, mas para
fazer as vontades do filho pródigo, que se rebela contra as normas familiares.
O ECA não nasceu dos anseios legítimos da sociedade brasileira, mas de uma obsessão
ideológica dos movimentos de esquerda com os menores de rua, que, a partir de
meados da década de 1970 e até o final do século passado, tornaram-se a
principal massa de manobra revolucionária, ocupando, na época, o papel de
sementeiras de conflitos sociais que usuários de drogas e moradores de rua
exercem hoje. Por isso, eu não fiquei surpreso nem indignado com a aprovação da
“Lei da Palmada” pelo Congresso — o que me surpreende e indigna, de
fato, é a sociedade não perceber que o Estatuto da Criança e do Adolescente
já continha, em si, o ideário da “Lei da Palmada” e não se revoltar contra ele.
Sem atacar diuturnamente o Estatuto, é impossível evitar a aprovação de leis
como essa.
A Lei da Palmada não nasceu no Congresso
Nacional muito menos de uma inusitada sinapse do cérebro de Xuxa, transformada
em sua garota-propaganda pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-comunista
do PCdoB que se especializou em lavagem de reputação pública por meio do uso de
artistas globais. Essa perniciosa lei é uma criação dos intelectuais
universitários brasileiros, com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU)
e se inspira em leis similares de países europeus. A primeira tentativa de
aprová-la partiu do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo
(USP), por meio do Laboratório de Estudos da Criança, que, há décadas, vem
produzindo campanhas contra qualquer agressão física a crianças e adolescentes.
O problema é que os psicólogos da USP confundem ralho e palmada com agressão
física e opressão psicológica e vinham tentando aprovar no Congresso Nacional a
criminalização da palmada — o que finalmente conseguiram, após convencerem a
bancada evangélica.
A primeira tentativa concreta de
transformar em lei a criminalização da palmada ocorreu há dez anos, por
intermédio de um projeto de lei da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS),
que veio a ser ministra dos Direitos Humanos no governo Dilma Rousseff e deixou o cargo em abril deste
ano para disputar o Senado Federal pelo PT gaúcho nas próximas eleições. Em 2
de dezembro de 2003, Maria do Rosário apresentou o Projeto de Lei 2.654/2003,
que modificava o ECA e o Código Civil, estabelecendo o direito de crianças e
adolescentes “não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal,
mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de
quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos”. Como se vê, a criminalização da
palmada — que se inclui entre os “castigos moderados” — era explícita, por isso
o projeto da deputada gaúcha enfrentou forte resistência, não só da bancada
evangélica no Congresso Nacional, mas também de articulistas laicos nos meios
de comunicação.
Há alguns anos, quando o assunto foi
amplamente debatido na imprensa, levando à rejeição do projeto original de
Maria do Rosário, os adversários da proposta acreditaram que ela estava
completamente enterrada. Proibir os pais de darem, de vez em quando, uma mera
palmada educativa nos filhos parecia uma ideia absurdamente radical, sem a
menor chance de se transformar em lei. Com raras exceções, os articulistas que
se insurgiram contra a Lei da Palmada não foram capazes de perceber que ela
estava longe de ser uma proposta folclórica de uma parlamentar xiita — pelo
contrário, era a tradução literal do pensamento predominante nas universidades
brasileiras e, mais cedo ou mais tarde, haveria de ressurgir das cinzas, como
fênix. Um intelectual universitário jamais desiste de suas ideias, por mais
absurdas que sejam — elas são seu oxigênio e ganha-pão, pois seu salário mensal
não depende do acerto de suas teses. Mesmo que professe teses socialmente
deletérias (como o chefe do Departamento de Artes e Estudos Culturais da Universidade
Federal Fluminense, professor Daniel Caetano, que defendeu o evento
sadomasoquista “Vagina Satânica”, realizado na instituição), um docente de
universidade pública continuará vendo o seu bom salário cair religiosamente na
conta todo final de mês.
Por isso, mesmo rejeitada por ampla
maioria da população brasileira, como provam as enquetes isentas sobre o
assunto, a Lei da Palmada acabou vingando. É que a proposta original não era
somente da deputada Maria do Rosário — ela foi respaldada pela “Petição por uma
Pedagogia Não Violenta”, uma campanha multinacional do Laboratório de Estudos
da Criança da USP, que teve início em 1994, portanto há 20 anos, e colheu mais
de 200 mil assinaturas de apoio no Brasil, Peru e Argentina. Essa campanha teve
o apoio do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que, em 2005,
publicou o livro “Direitos Negados: A Violência Contra a Criança e o Adolescente
no Brasil”, uma coletânea de artigos escritos por diversos pesquisadores. No
artigo que abre o livro, as pesquisadoras Maria Amélia Azevedo e Viviane de
Azevedo Guerra, ambas do Instituto de Psicologia da USP afirmam: “A luta mundial
pela abolição de castigos imoderados e moderados (inclusive o famigerado
tapinha no bumbum) já é vitoriosa em onze países: Suécia (1979); Finlândia
(1983); Dinamarca (1983); Noruega (1987); Áustria (1989); Chipre (1994);
Letônia (1998); Croácia (1999); Alemanha (2000); Israel (2000) e Islândia
(2003)”.
Psicólogos da USP escreveram projeto de
lei
Ora, o mundo tem quase 200 países. Isso
significa que, apesar de toda a pressão exercida pela ONU, menos de 10% das
nações dedicaram leis especiais contra castigos físicos em crianças. O que a
maioria dos países pune — e com toda razão — é o espancamento dos filhos pelos
pais, algo que o Código Penal Brasileiro e o próprio Estatuto da Criança e
Adolescente também já condenam. Além disso, nos países citados pelas
pesquisadoras, os menores de 18 anos que cometem crimes violentos não costumam
ser inimputáveis como no Brasil e não têm o rosto totalmente protegido nas
reportagens que relatam seus feitos. Sem contar que raramente um país impõe
tantas restrições ao porte de arma como no Brasil, fazendo com que os bandidos,
menores ou adultos, se comportem com a máxima ousadia e detenham o monopólio da
pena de morte no País. Impor a um caldeirão de violência chamado Brasil, com
quase 200 milhões de viventes, as mesmas leis de aldeolas escandinavas com
menos de 5 milhões de habitantes, como fizeram os pesquisadores da USP com a
Lei da Palmada, é não ter o mínimo senso de proporção.
O que as pesquisadoras da USP chamam de
“luta mundial pela abolição dos castigos imoderados e moderados em criança” é,
na verdade, uma minoritária guerrilha intelectual pela abolição do pátrio
poder, colocando as famílias sob o poder totalitário do Estado. A força dessa
guerrilha — que se tornou hegemônica no meio acadêmico — não resulta do apoio
que desfruta na sociedade, mas das fartas verbas que recebe de ONGs, fundações
internacionais e da própria ONU. Desde a redemocratização, o Brasil se tornou o
laboratório preferencial dos arautos do homem novo, uma espécie de
projeto-piloto em forma de país, no qual os ideólogos de esquerda testam suas
leis revolucionárias, como a Lei da Palmada, sem levar em conta as culturas
locais. Prova disso é que a primeira versão da Lei da Palmada, apresentada em
2003, não foi redigida pela deputada Maria do Rosário, mas por uma equipe de
pesquisadores do Laboratório de Estudos da Criança do Instituto de Psicologia
da USP.
“A proposição que estamos apresentando à
Casa foi elaborada pelo Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) da
Universidade de São Paulo (USP), sob a responsabilidade das coordenadoras, Dra.
Maria Amélia Azevedo, Dra. Flávia Piovesan, Dra. Carolina de Mattos Ricardo,
Dra. Daniela Ikawa e Dr. Renato Azevedo Guerra, e, como pode ser verificado na
argumentação supra, está amparado por pesquisas e análises comparativas com as
legislações mais avançadas do mundo” — escreveu a deputada Maria do Rosário na
justificativa de seu projeto, ao apresentá-lo na Câmara no final de 2003. Como
o seu projeto era lobo com garras e dentes expostos, dizendo já na ementa e
reafirmando em seu primeiro artigo que até os castigos moderados estavam
proibidos, ele acabou não vingando no Congresso, devido, sobretudo, à
resistência da bancada evangélica. Então, sete anos depois, o Executivo
tomou para si a tarefa de aprovar a Lei da Palmada e, em 14 de julho de 2010,
um dia depois do aniversário de 20 anos do ECA, o então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva enviou à Câmara um novo projeto de lei nesse sentido.
Exército público de delatores
profissionais
Esse projeto de lei do Executivo, que
acabou aprovado na semana passada, é lobo em pele de cordeiro. Ao acrescentar
três artigos ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ele estabelece: “A
criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de
castigo físico ou tratamento cruel ou degradante, como forma de correção,
disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes
da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de
medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles,
tratá-los, educá-los ou protegê-los”. Em seguida, a lei define “castigo físico”
como a “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que
resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou adolescente”. E define como
“tratamento cruel ou degradante” a “conduta ou forma cruel de tratamento que
humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente”.
Como se vê, a nova versão da Lei da Palmada, rebatizada casuisticamente de “Lei Menino Bernardo”, parece não oferecer nenhum perigo para as famílias. Quem pode ser a favor do “tratamento cruel ou degradante” de uma criança, expressão que mais se destaca quando se lê o primeiro parágrafo da lei? Ocorre que essa expressão entrou aí justamente para ofuscar a criminalização da palmada, que continua embutida na expressão “castigo físico”. Afinal, se “castigo físico” fosse apenas sinônimo de espancamento e não abarcasse também uma simples palmada, não haveria necessidade de acrescentar “tratamento cruel” ao texto. Além do mais, a lei ainda prevê que os direitos da criança nela previstos deverão ser objeto de ampla campanha e integrar os temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC. Ou seja, na interpretação da lei que será disseminada na sociedade, a definição prática de castigo físico vai abranger a palmada — algo que, sem dúvida, será corroborado pelo Ministério Público, ainda que um ou outro promotor, individualmente, possa pensar e até agir de forma contrária.
Como se vê, a nova versão da Lei da Palmada, rebatizada casuisticamente de “Lei Menino Bernardo”, parece não oferecer nenhum perigo para as famílias. Quem pode ser a favor do “tratamento cruel ou degradante” de uma criança, expressão que mais se destaca quando se lê o primeiro parágrafo da lei? Ocorre que essa expressão entrou aí justamente para ofuscar a criminalização da palmada, que continua embutida na expressão “castigo físico”. Afinal, se “castigo físico” fosse apenas sinônimo de espancamento e não abarcasse também uma simples palmada, não haveria necessidade de acrescentar “tratamento cruel” ao texto. Além do mais, a lei ainda prevê que os direitos da criança nela previstos deverão ser objeto de ampla campanha e integrar os temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC. Ou seja, na interpretação da lei que será disseminada na sociedade, a definição prática de castigo físico vai abranger a palmada — algo que, sem dúvida, será corroborado pelo Ministério Público, ainda que um ou outro promotor, individualmente, possa pensar e até agir de forma contrária.
Mas até isso será difícil, pois a lei
também prevê que o profissional da saúde, da educação ou da assistência social,
bem como qualquer pessoa que exerça cargo ou função pública, tem a obrigação de
comunicar às autoridades competentes qualquer suspeita ou confirmação de
castigo físico de uma criança, sob pena de incorrer em multa que varia de 3 a
20 salários mínimos. Ou seja, a lei cria um exército público de delatores
profissionais, que, com o tempo, irão consolidar a criminalização da palmada,
ainda que ela não esteja explicitamente escrita no texto da lei. Em breve, cada
filho será o senhorzinho do lar e teremos a paternidade análoga à escravidão.
Alguns parlamentares, como o senador
Magno Malta (PR-ES), não se deixaram enganar pela Lei Menino Bernardo e
denunciaram o seu caráter subjetivo, que continua criminalizando todo tipo de
castigo físico, mesmo uma leve palmada. E o deputado Pastor Eurico (PSB-PE)
criticou a presença de Xuxa como madrinha da lei, lembrando o seu passado de
protagonista do filme “Amor, Estranho Amor”, de Walter Hugo Khouri, em que
protagoniza cenas de nudez com uma criança. Ditatorialmente, o partido de
Eduardo Campos tomou as dores de Xuxa e destituiu o deputado da Comissão de
Constituição e Justiça.
O clima bananeiro em que foi aprovada a
Lei da Palmada pode ser medido pela entrada de Xuxa Meneghel no plenário do
Senado. Ela trazia pela mão um garoto que, depois, se revelou ser o neto do
presidente do Senado, Renan Calheiros. Num acintoso desrespeito aos rituais da
República, o menino foi posto sentado à mesa diretora da Casa, entre o avô e
Xuxa, como se o Brasil fosse uma monarquia, em que o poder se transmite
hereditariamente e não há distinção entre o público e o privado. A
transformação do neto de Renan Calheiros numa espécie de reizinho da República
é reveladora da miséria moral reinante - simboliza a privatização da coisa
pública e a estatização da vida privada, numa mistura que relembra a Itália
fascista de Benito Mussolini. A Lei da Palmada já é consequência dessa
indistinção entre um Estado cada vez mais possuído pelos grupos organizados e
uma sociedade cada vez mais destituída de vida privada. É como se os bedéis do
Estado, que batem ponto burocraticamente nas repartições, pudessem cuidar da
educação de todas as crianças brasileiras — uma missão que exige dos pais de
carne e osso enormes sacríficos, inclusive em madrugadas insones, quando velam
pela saúde e o bem-estar de seus filhos.
Duplo grau de jurisdição na família
Os intelectuais bem-nascidos querem
aplicar a todo mundo os seus próprios princípios de vida, sem levar em conta as
circunstâncias em que vivem os destinatários de suas leis utópicas. O ideal é
que uma criança jamais precise levar sequer uma palmada e aprenda a obedecer a
um simples olhar. Mas esse é um ideal, que nem sempre pode ser posto em
prática, especialmente nas classes mais pobres, em que a vida é muito dura, e
os pais, machucados pela própria desesperança, nem sempre são capazes de
dialogar com os filhos, depois de mais uma dura jornada de trabalho, em que
enfrentam ônibus lotados para voltar ao barracão minúsculo onde a família se
amontoa. Em famílias assim, uma palmada, um beliscão, um cascudo são quase
inevitáveis e chegam a ser uma forma de diálogo, uma espécie de rude carinho
físico entre pais e filhos, especialmente em famílias arcaicas em que beijos e
abraços são raros ou inexistem.
Uma pesquisa do próprio Laboratório de
Estudos da Criança da USP mostrou que mais de 70% desses castigos físicos são
aplicados pelas mães — um fator de desespero para os pesquisadores uspianos,
que, volta e meia, promovem palestras, exibição de filmes, apresentações de
teatro, concursos de desenhos e várias outras atividades educativas tentando
evitar que as mães distribuam palmadas em seus rebentos. Eles nem se dão conta
de que as famílias, instintivamente, criam e aplicam uma sábia justiça
doméstica que reproduz um dos pilares do processo civilizatório — o duplo grau
de jurisdição. A mãe, pelo fato de ficar mais tempo com o filho e, sobretudo
por tê-lo carregado no ventre, tende a ter com ele uma relação muito mais
emotiva, consequentemente mais fadada à impaciência, aos ralhos, às palmadas.
Mas, como diz o provérbio, pé de galinha não mata pinto. Prova disso é que mal
acaba de levar uma palmada da mãe, a criança já busca o seu colo para chorar,
como se a palmada fosse o prenúncio do carinho. Só quando essa primeira
instância da justiça familiar não surte efeito, é que entra a segunda instância
— a justiça paterna.
Mas o pai, ao contrário da mãe, deve ter
maior distanciamento e evitar o castigo físico. Como sabiam os antigos, a mão
do pai é pesada. Ele é o juiz de segunda instância, que só deve interferir nos
casos mais graves, fazendo valer sua autoridade com um olhar severo, uma
palavra firme e, no mais das vezes, com sua simples presença. Quando o pai
precisa castigar fisicamente o filho, é porque esse duplo grau de jurisdição
familiar está falhando e, nesse caso, sim, a criança tem grande chance de se
tornar um filho rebelde, malcriado, às vezes um adulto traumatizado e sem rumo.
A Lei da Palmada, ao proibir todo tipo de castigo físico, inclusive quando
praticado afetivamente pela mãe, acaba com esse sábio sistema de pesos e
contrapesos entre mãe e pai, privando a criança de seu primeiro e educativo
contato com a Justiça — que é, antes de tudo, uma hierarquia moral de valores,
em que a severidade das sanções é graduada pela gravidade dos atos. Ao
desconsiderar essas nuances das relações familiares, a Lei da Palmada chega a
desumanizar a criança, como se ela não passasse de um corpo sem alma, cujo
maior sofrimento é a dor passageira de uma simples palmada.
Fonte: Jornal Opção
Divulgação: www.juliosevero.com
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