FONTE: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/youssef-o-planalto-sabia-de-tudo-delegado-quem-do-planalto-youssef-lula-e-dilma
A Carta
ao Leitor desta edição termina com uma observação altamente relevante a
respeito do dever jornalístico de publicar a reportagem a seguir às vésperas da
votação em segundo turno das eleições presidenciais: “Basta imaginar a
temeridade que seria não publicá-la para avaliar a gravidade e a necessidade do
cumprimento desse dever”. VEJA não publica reportagens com a intenção de diminuir ou aumentar as
chances de vitória desse ou daquele candidato. VEJApublica
fatos com o objetivo de aumentar o grau de informação de seus leitores sobre
eventos relevantes, que, como se sabe, não escolhem o momento para acontecer.
Os episódios narrados nesta reportagem foram relatados por seu autor, o doleiro
Alberto Youssef, e anexados a seu processo de delação premiada. Cedo ou tarde
os depoimentos de Youssef virão a público em seu trajeto na Justiça rumo ao
Supremo Tribunal Federal (STF), foro adequado para o julgamento de
parlamentares e autoridades citados por ele e contra os quais garantiu às
autoridades ter provas. Só então se poderá ter certeza jurídica de que as
pessoas acusadas são ou não culpadas.
Na última
terça-feira, o doleiro Alberto Youssef entrou na sala de interrogatórios da
Polícia Federal em Curitiba para prestar mais um depoimento em seu processo de
delação premiada. Como faz desde o dia 29 de setembro, sentou-se ao lado de seu
advogado, colocou os braços sobre a mesa, olhou para a câmera posicionada à sua
frente e se pôs à disposição das autoridades para contar tudo o que fez, viu e
ouviu enquanto comandou um esquema de lavagem de dinheiro suspeito de
movimentar 10 bilhões de reais. A temporada na cadeia produziu mudanças
profundas em Youssef. Encarcerado desde março, o doleiro está bem mais magro,
tem o rosto pálido, a cabeça raspada e não cultiva mais a barba. O estado de
espírito também é outro. Antes afeito às sombras e ao silêncio, Youssef mostra
desassombro para denunciar, apontar e distribuir responsabilidades na camarilha
que assaltou durante quase uma década os cofres da Petrobras. Com a autoridade
de quem atuava como o banco clandestino do esquema, ele adicionou novos
personagens à trama criminosa, que agora atinge o topo da República.
Comparsa de
Youssef na pilhagem da maior empresa brasileira, o ex-diretor Paulo Roberto
Costa já declarara aos policiais e procuradores que nos governos do PT a
estatal foi usada para financiar as campanhas do partido e comprar a fidelidade
de legendas aliadas. Parte da lista de corrompidos já veio a público. Faltava
clarear o lado dos corruptores. Na terça-feira, Youssef apresentou o ponto
até agora mais “estarrecedor” — para usar uma expressão cara à presidente
Dilma Rousseff — de sua delação premiada. Perguntado sobre o nível de
comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na Petrobras, o doleiro
foi taxativo:
— O Planalto
sabia de tudo!
— Mas quem no
Planalto? — perguntou o delegado.
— Lula e
Dilma — respondeu o doleiro.
Para
conseguir os benefícios de um acordo de delação premiada, o criminoso atrai
para si o ônus da prova. É de seu interesse, portanto, que não falsifique os
fatos. Essa é a regra que Youssef aceitou. O doleiro não apresentou — e nem
lhe foram pedidas — provas do que disse. Por enquanto, nesta fase do processo,
o que mais interessa aos delegados é ter certeza de que o depoente atuou
diretamente ou pelo menos presenciou ilegalidades. Ou seja, querem estar certos
de que não lidam com um fabulador ou alguém interessado apenas em ganhar tempo
fornecendo pistas falsas e fazendo acusações ao léu. Youssef está se saindo
bem e, a exemplo do que se passou com Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da
Petrobras, tudo indica que seu processo de delação premiada será homologado
pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana passada, ele aumentou de cerca
de trinta para cinquenta o número de políticos e autoridades que se valiam da
corrupção na Petrobras para financiar suas campanhas eleitorais. Aos
investigadores, Youssef detalhou seu papel de caixa do esquema, sua rotina de
visitas aos gabinetes poderosos no Executivo e no Legislativo para tratar, em
bom português, das operações de lavagem de dinheiro sujo obtido em transações
tenebrosas na estatal. Cabia a ele expatriar e trazer de volta o dinheiro
quando os envolvidos precisassem.
Uma vez feito
o acordo, Youssef terá de entregar o que prometeu na fase atual da
investigação. Ele já contou que pagava em nome do PT mesadas de 100 000 a 150 000 reais a
parlamentares aliados ao partido no Congresso. Citou nominalmente a ex-ministra
da Casa Civil Gleisi Hoffmann, a quem ele teria repassado 1 milhão de reais em
2010. Youssef disse que o dinheiro foi entregue em um shopping de Curitiba. A
senadora negou ter sido beneficiada.
Entre as
muitas outras histórias consideradas convincentes pelos investigadores e que
ajudam a determinar a alta posição do doleiro no esquema — e, consequentemente,
sua relevância para a investigação —, estão lembranças de discussões
telefônicas entre Lula e o ex-deputado José Janene, à época líder do PP, sobre
a nomeação de operadores do partido para cargos estratégicos do governo.
Youssef relatou um episódio ocorrido, segundo ele, no fim do governo Lula. De
acordo com o doleiro, ele foi convocado pelo então presidente da Petrobras,
Sergio Gabrielli, para acalmar uma empresa de publicidade que ameaçava explodir
o esquema de corrupção na estatal. A empresa queixava-se de que, depois de
pagar de forma antecipada a propina aos políticos, tivera seu contrato
rescindido. Homem da confiança de Lula, Gabrielli, segundo o doleiro,
determinou a Youssef que captasse 1 milhão de reais entre as empreiteiras que
participavam do petrolão a fim de comprar o silêncio da empresa de publicidade.
E assim foi feito.
Gabrielli
poderia ter realizado toda essa manobra sem que Lula soubesse? O fato de ter
ocorrido no governo Dilma é uma prova de que ela estava conivente com as
lambanças da turma da estatal? Obviamente, não se pode condenar Lula e Dilma
com base apenas nessa narrativa. Não é disso que se trata. Youssef simplesmente
convenceu os investigadores de que tem condições de obter provas do que afirmou
a respeito de a operação não poder ter existido sem o conhecimento de Lula e
Dilma — seja pelos valores envolvidos, seja pelo contato constante de Paulo
Roberto Costa com ambos, seja pelas operações de câmbio que fazia em favor de
aliados do PT e de tesoureiros do partido, seja, principalmente, pelo fato de
que altos cargos da Petrobras envolvidos no esquema mudavam de dono a partir de
ordens do Planalto.
Os policiais
estão impressionados com a fartura de detalhes narrados por Youssef com base,
por enquanto, em sua memória. “O Vaccari está enterrado”, comentou um dos
interrogadores, referindo-se ao que o doleiro já narrou sobre sua parceria com
o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto. O doleiro se comprometeu a
mostrar documentos que comprovam pelo menos dois pagamentos a Vaccari. O
dinheiro, desviado dos cofres da Petrobras, teria sido repassado a partir de
transações simuladas entre clientes do banco clandestino de Youssef e uma
empresa de fachada criada por Vaccari. O doleiro preso disse que as provas
desses e de outros pagamentos estão guardadas em um arquivo com mais de 10 000 notas fiscais que serão apresentadas por ele como evidências. Nesse
tesouro do crime organizado, segundo Youssef, está a prova de uma das revelações mais
extraordinárias
prometidas por ele, sobre a qual já falou aos investigadores: o número das
contas secretas do PT que ele operava em nome do partido em paraísos fiscais.
Youssef se comprometeu a ajudar a PF a localizar as datas e os valores das
operações que teria feito por instrução da cúpula do PT.
Depois da
homologação da delação premiada, que parece assegurada pelo que ele disse até
a semana passada, Youssef terá de apresentar à Justiça mais do que versões de
episódios públicos envolvendo a presidente. Pela posição-chave de Youssef no
esquema, os investigadores estão confiantes em que ele produzirá as provas
necessárias para a investigação prosseguir. Na semana que vem, Alberto Youssef
terá a oportunidade de relatar um episódio ocorrido em março deste ano, poucos
dias antes de ser preso. Youssef dirá que um integrante da coordenação da
campanha presidencial do PT que ele conhecia pelo nome de “Felipe” lhe
telefonou para marcar um encontro pessoal e adiantou o assunto: repatriar 20
milhões de reais que seriam usados na campanha presidencial de Dilma Rousseff.
Depois de verificar a origem do telefonema, Youssef marcou o encontro que nunca
se concretizou por ele ter se tornado hóspede da Polícia Federal em Curitiba.
Procurados, os defensores do doleiro não quiseram comentar as revelações de
Youssef, justificando que o processo corre em segredo de Justiça. Pelo que já
contou e pelo que promete ainda entregar aos investigadores, Youssef está
materializando sua ameaça velada feita dias atrás de que iria “chocar o país”.
DINHEIRO PARA O PT
Alberto Youssef também voltou a detalhar os negócios que mantinha com o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, homem forte da campanha de Dilma e conselheiro da Itaipu Binacional. Além de tratar dos interesses partidários com o dirigente petista, o doleiro confi rmou aos investigadores ter feito pelo menos duas grandes transferências de recursos a Vaccari. O dinheiro, de acordo com o relato, foi repassado a partir de uma simulação de negócios entre grandes companhias e uma empresa-fantasma registrada em nome de laranjas mas criada pelo próprio Vaccari para ocultar as operações. Ele nega
ENTREGA NO SHOPPING
Alberto Youssef confirmou aos investigadores o que disse o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa sobre o dinheiro desviado da estatal para a campanha da exministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT-PR) ao Senado, em 2010. Segundo ele, o repasse dos recursos para a senadora petista, no valor de 1 milhão de reais, foi executado em quatro parcelas. As entregas de dinheiro foram feitas em um shopping center no centro de Curitiba. Intermediários enviados por ambos entregaram e receberam os pacotes. Em nota, a senadora disse que não recebeu nenhuma doação de campanha nem conhece Paulo Roberto Costa ou Alberto Youssef
ELE TAMBÉM SABIA
Durante o segundo mandato de Lula, o doleiro contou que foi chamado pelo presidente da Petrobras, José sergio Gabrielli, para tratar de um assunto que preocupava o Planalto. Uma das empresas com contratos de publicidade na estatal ameaçava revelar o esquema de cobrança de pedágio. Motivo: depois de pagar propina antecipadamente, a empresa teve seu contrato rescindido. Ameaçado pelo proprietário, Gabrielli pediu ao doleiro que captasse 1 milhão de reais com as empreiteiras do esquema e devolvesse a quantia à empresa de publicidade. Gabrielli não quis se pronunciar
CONTAS SECRETAS NO EXTERIOR
Desde que Duda Mendonça, o marqueteiro da campanha de Lula em 2002, admitiu na CPI dos Correios ter recebido pagamentos de campanha no exterior (10 milhões de dólares), pairam sobre o partido suspeitas concretas da existência de dinheiro escondido em paraísos fi scais. Para os interrogadores de Alberto Youssef, no entanto, essas dúvidas estão começando a se transformar em certeza. O doleiro não apenas confi rmou a existência das contas do PT no exterior como se diz capaz de ajudar a identifi cá-las, fornecendo detalhes de operações realizadas, o número e a localização de algumas delas.
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