domingo, 24 de junho de 2012

A MELHOR DEMOCRACIA QUE O DINHEIRO PODE COMPRAR


Resenha: Argemiro Ferreira, na Tribuna da Imprensa

Finalmente uma editora brasileira, a excelente W11, lança a tradução do livro "A melhor democracia que o dinheiro pode comprar", do americano Greg Palast. Se dependesse desse jornalista vulcânico, dono de biografia fascinante, o desfecho da eleição de 2000 seria outro. Além de provar o roubo de votos na Flórida que elegeu Bush, ele descobriu ainda que a equipe de Al Gore fez tudo errado.
Houve referências antes, nesta coluna, a Palast e seu livro, que se tornou "best-seller" nos EUA por uma razão simples: conta a verdade que a "mainstream press", aí chamada de grande imprensa, dos jornalões e impérios de mídia, escondia ou tinha o cuidado de disfarçar. Palast tem também seu website, que recomendo, onde estão textos e reportagens de TV só veiculados em Londres: www.gregpalast.com
Esse é o fato insólito, que depõe contra a mídia dos EUA: muita gente pensa que Palast é um inglês maluco obstinado em difamar Bush e os EUA. Nada disso. É bem americano. Só que a grande mídia daqui, parte de impérios envolvidos até em produção de armas, odeia o estilo insolente dele, a denunciar crimes da globalização econômica, fraudes das corporações e mentiras usadas para fabricar a guerra do Iraque.

Da escola de Chicago para o jornal

A história pessoal de Palast ajuda a explicar o estilo. Ele nasceu no lado nordeste do San Fernando Valley, parte deteriorada de Los Angeles. O pai vendia móveis, a mãe trabalhava na cafeteria da escola. Cresceu entre uma usina de energia e um depósito de lixo. Como a maioria daqueles de origem semelhante, não teve como fugir da luta no Vietnã. Tinha outras prioridades, mas não sobrenomes como Bush e Cheney.
Para ele, a guerra teve uma vantagem. Como sobreviveu, faturou benefícios dados a veteranos. Pôde fazer curso universitário. Seu MBA (administração de empresas) foi na Universidade de Chicago, do oráculo do conservadorismo, Milton Friedman, inspirador dos excessos neoliberais de Thatcher e seu discípulo Reagan. A escola de Chicago permitiu que ele visse melhor o outro lado daquilo que se ensina ali.
Ainda na universidade, traiu as teorias de Friedman: ligou-se a sindicatos, aos quais servia em missões secretas, de investigação. Descobriu verdades que as corporações (e seus executivos ladrões) escondem e os líderes sindicais tentam a todo custo provar. Com isso desenvolveu a vocação para a reportagem investigativa. Fazia artigos de opinião em jornais e dava pistas e idéias a jornalistas para reportagens.
Frustrado com o mau aproveitamento, devido à inépcia ou pouco apetite da mídia pela controvérsia, Palast resolveu tornar-se jornalista - e em tempo integral. Para ele, o jornalismo da grande mídia burocratizou-se. Acomodados e sem a inquietação e o ceticismo que aguçam a curiosidade e geram o questionamento, os repórteres acostumaram-se a repetir "releases" ou reproduzir o que ouvem em coletivas.

O expurgo étnico que elegeu Bush

Nesse quadro pouco inspirado, jornalistas deixaram de perceber as questões críticas da eleição da Flórida - que tão pouco interessaram os editores, nas redações. A mídia se autolimitava, cobrindo superficialmente, sem imaginação ou ousadia, o dia-a-dia da crise pós-eleitoral. Palast ousou fazer as perguntas inconvenientes, mas pertinentes. E devassou a realidade chocante, escondida dos americanos. Como fazia reportagens para a BBC e jornais de Londres ("Observer", "Guardian"), pôde desmascarar a fraude.
A obsessão de Al Gore e dos jornais americanos era recontar votos de condados específicos, garimpar algumas centenas e tirar a diferença de 537 dada ao mano pelo governador Jeb Bush. Mas Palast foi ao veio maior: descobriu que Gore fora garfado não em centenas, mas em milhares de votos (uns 60 mil).
O conluio de Jeb Bush com a secretária de Estado Katherine Harris (co-presidente da campanha presidencial de Bush) e a empresa ChoicePoint-DBT, com a ajudazinha do estado do Texas, montara gigantesca operação eletrônica de expurgo étnico antes da eleição. 90% dos eleitores negros e de áreas pobres votavam em Gore. A operação diabólica expurgou em massa esses eleitores das listas de votantes. Eletronicamente.
Os crimes e fraudes da globalização
Por que a gente de Al Gore nada fez? Em primeiro lugar, sua campanha arrogante ignorou as denúncias por virem de negros tidos como suspeitos de terem cumprido pena. Palast foi atrás dos dados reais e achou provas da safadeza. Provas que foram vistas pelos ingleses no "Observer" e na BBC. Os americanos só ficaram sabendo muito depois, quando "The Nation" e "Harper's" publicaram reportagens dele.
Também Michael Moore falou do assunto em "Estúpido homem branco". Chocado com a descoberta de Palast, publicou os dados no seu livro. Os dois autores acabariam juntos na lista de "best-sellers" do "New York Times", mostrando que o leitor americano quer conhecer aquilo que sua mídia esconde. Espero que estejam de novo juntos também na lista dos livros mais vendidos no Brasil.
Até porque a fraude eleitoral da Flórida é apenas um dos capítulos de "A melhor democracia que o dinheiro pode comprar". Até os escândalos de FHC estão lá. O subtítulo do livro na edição popular dos EUA, da Plume-Penguin, é "Um repórter investigativo expõe a verdade sobre a globalização, os ladrões corporativos e os fraudadores da alta finança". Faltou citar a quadrilha do FMI, Banco Mundial e BID, a serviço do Tesouro americano.

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