Resenha: Argemiro Ferreira, na Tribuna
da Imprensa
Finalmente uma
editora brasileira, a excelente W11, lança a tradução do livro "A melhor
democracia que o dinheiro pode comprar", do americano Greg Palast. Se
dependesse desse jornalista vulcânico, dono de biografia fascinante, o desfecho
da eleição de 2000 seria outro. Além de provar o roubo de votos na Flórida que
elegeu Bush, ele descobriu ainda que a equipe de Al Gore fez tudo errado.
Houve referências antes, nesta coluna, a Palast e seu livro, que se
tornou "best-seller" nos EUA por uma razão simples: conta a verdade
que a "mainstream press", aí chamada de grande imprensa, dos
jornalões e impérios de mídia, escondia ou tinha o cuidado de disfarçar. Palast
tem também seu website, que recomendo, onde estão textos e reportagens de TV só
veiculados em Londres: www.gregpalast.com
Esse é o fato insólito, que depõe contra a mídia dos EUA: muita gente
pensa que Palast é um inglês maluco obstinado em difamar Bush e os EUA. Nada
disso. É bem americano. Só que a grande mídia daqui, parte de impérios
envolvidos até em produção de armas, odeia o estilo insolente dele, a denunciar
crimes da globalização econômica, fraudes das corporações e mentiras usadas
para fabricar a guerra do Iraque.
Da escola de Chicago para o jornal
A história
pessoal de Palast ajuda a explicar o estilo. Ele nasceu no lado nordeste do San
Fernando Valley, parte deteriorada de Los Angeles. O pai vendia móveis, a mãe
trabalhava na cafeteria da escola. Cresceu entre uma usina de energia e um
depósito de lixo. Como a maioria daqueles de origem semelhante, não teve como fugir
da luta no Vietnã. Tinha outras prioridades, mas não sobrenomes como Bush e
Cheney.
Para ele, a guerra teve uma vantagem. Como sobreviveu, faturou
benefícios dados a veteranos. Pôde fazer curso universitário. Seu MBA
(administração de empresas) foi na Universidade de Chicago, do oráculo do
conservadorismo, Milton Friedman, inspirador dos excessos neoliberais de
Thatcher e seu discípulo Reagan. A escola de Chicago permitiu que ele visse
melhor o outro lado daquilo que se ensina ali.
Ainda na universidade, traiu as teorias
de Friedman: ligou-se a sindicatos, aos quais servia em missões secretas, de
investigação. Descobriu verdades que as corporações (e seus executivos ladrões)
escondem e os líderes sindicais tentam a todo custo provar. Com isso desenvolveu
a vocação para a reportagem investigativa. Fazia artigos de opinião em jornais
e dava pistas e idéias a jornalistas para reportagens.
Frustrado com o mau aproveitamento,
devido à inépcia ou pouco apetite da mídia pela controvérsia, Palast resolveu
tornar-se jornalista - e em tempo integral. Para ele, o jornalismo da grande
mídia burocratizou-se. Acomodados e sem a inquietação e o ceticismo que aguçam
a curiosidade e geram o questionamento, os repórteres acostumaram-se a repetir
"releases" ou reproduzir o que ouvem em coletivas.
O
expurgo étnico que elegeu Bush
Nesse quadro pouco inspirado,
jornalistas deixaram de perceber as questões críticas da eleição da Flórida -
que tão pouco interessaram os editores, nas redações. A mídia se autolimitava,
cobrindo superficialmente, sem imaginação ou ousadia, o dia-a-dia da crise
pós-eleitoral. Palast ousou fazer as perguntas inconvenientes, mas pertinentes.
E devassou a realidade chocante, escondida dos americanos. Como fazia
reportagens para a BBC e jornais
de Londres ("Observer", "Guardian"), pôde
desmascarar a fraude.
A obsessão de Al Gore e dos jornais
americanos era recontar votos de condados específicos, garimpar algumas
centenas e tirar a diferença de 537 dada ao mano pelo governador Jeb Bush. Mas
Palast foi ao veio maior: descobriu que Gore fora garfado não em centenas, mas
em milhares de votos (uns 60 mil).
O conluio de Jeb Bush com a secretária
de Estado Katherine Harris (co-presidente da campanha presidencial de Bush) e a
empresa ChoicePoint-DBT, com a ajudazinha do estado do Texas, montara
gigantesca operação eletrônica de expurgo étnico antes da eleição. 90% dos
eleitores negros e de áreas pobres votavam em Gore. A operação diabólica
expurgou em massa esses eleitores das listas de votantes. Eletronicamente.
Os
crimes e fraudes da globalização
Por que a gente de Al Gore nada fez? Em
primeiro lugar, sua campanha arrogante ignorou as denúncias por virem de negros
tidos como suspeitos de terem cumprido pena. Palast foi atrás dos dados reais e
achou provas da safadeza. Provas que foram vistas pelos ingleses no
"Observer" e na BBC. Os americanos só ficaram sabendo muito depois, quando
"The Nation" e "Harper's" publicaram reportagens
dele.
Também Michael Moore falou do assunto em
"Estúpido homem branco". Chocado com a descoberta de Palast, publicou
os dados no seu livro. Os dois autores acabariam juntos na lista de
"best-sellers" do "New York Times", mostrando que o leitor
americano quer conhecer aquilo que sua mídia esconde. Espero que estejam de
novo juntos também na lista dos livros mais vendidos no Brasil.
Até porque a fraude eleitoral da Flórida
é apenas um dos capítulos de "A melhor democracia que o dinheiro pode
comprar". Até os escândalos de FHC estão lá. O subtítulo do livro na
edição popular dos EUA, da Plume-Penguin, é "Um repórter investigativo
expõe a verdade sobre a globalização, os ladrões corporativos e os fraudadores
da alta finança". Faltou citar a quadrilha do FMI, Banco Mundial e BID, a
serviço do Tesouro americano.
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