Como as minhas origens se acham
no pentecostalismo moderno, já ouvi de tudo sobre o poder da palavra. “Palavra
positiva”, “confissão positiva”, “profetizar vitória” e por aí vai. Até no
facebook recebi um recado outro dia. A pessoa me disse que iria profetizar a
minha cura (eu estava gripado). A impressão que tenho é que temos atribuído às
nossas palavras poderes invocatórios de toda sorte. Mas, até onde isso tem
fundamento bíblico?
No mundo isso já existe no folclore e no imaginário coletivo.
Existe uma crença de que não devo dizer o nome de Satanás senão ele vai
aparecer. Há filmes de horror baseados nessa superstição. Lembro-me de um filme
chamado “Candyman” em que, se alguém olhasse para o espelho e dissesse esse
nome três vezes, o tal Candyman apareceria e mataria o infeliz. A mesma
história apareceu na Idade Média com a figura de “Maria Sangrenta” (Bloody
Mary). Até hoje conheço pessoas que não gostam de cantar o hino de Lutero
“Castelo Forte”, porque numa das estrofes há o nome de Satanás. “Cruz credo”,
dizem. “Valei-me, Senhor”.
Com a mensagem positiva da cura divina, muitos acham que basta orar
e tudo vai mudar. Isso vem de uma longa tradição avivamentista. Creio que a
Igreja esteja precisando de um avivamento, mas nos moldes bíblicos e
históricos: um mover do Espírito Santo que leve as pessoas ao arrependimento dos
seus pecados, vivificando a Igreja e, consequentemente, mudando a própria
sociedade ao seu redor, como já aconteceu nos avivamentos da nossa História
eclesiástica (como no País de Gales, nos Estados Unidos e na Inglaterra).
Mas avivamentismo é outra coisa. É por definição um desequilíbrio e
ignora o pleno testemunho das Escrituras Sagradas. A sua mensagem afirma que
todo o poder da era vindoura pode ser empregada hoje, se tão somente tivermos
fé o suficiente para tanto. “Todos serão curados”, “todos alcançarão a
vitória”, “todos….” e por aí vai. Qual é o segredo para que todos alcancem
estes benefícios? Fé, é claro.
E essa fé se expressa verbalmente. Segue então que a nossa vitória
reside no bom uso das nossas palavras. Não podemos confessar tristeza, isso
seria uma “confissão negativa”. Não podemos sequer dizer que estamos doentes –
novamente “confissão negativa”. Tenho que declarar que tudo vai bem, que irá
bem, que sempre ficará bem. Tenho que invocar a benção, afirmar a vitória,
profetizar a cura e tomar posse da minha herança.
Afirmamos que a nossa palavra tem poder. Se direcionarmos a palavra
para o mal, invocaremos o mal. Se direcionarmos a palavra para o bem,
invocaremos o bem. Há até uma música que cantamos, “… sobre tua vida vou
profetizar, nenhuma maldição te alcançará.”
Isso está na Bíblia? Bem, existe o caso de Ezequiel. Deus o manda
profetizar sobre o vale de ossos secos. Qual foi a profecia? Foi a mensagem do
que Deus faria, mas segundo a própria palavra que Deus lhe mandou proclamar.
Podemos simplesmente pinçar essa história do Antigo Testamento e aplicá-la
hoje?
A resposta é não.
No Novo Testamento somos instruídos a proclamar outras coisas. Mas,
assim como Moisés bateu na rocha, Abraão pisou o chão da Palestina, Davi lançou
a pedrinha que derrubou Golias, Elias chamou fogo do céu e Ezequiel profetizou
para ossos secos, nós também temos que ser fiéis ao que Deus nos manda fazer,
nada mais e nada menos. Eu não bato em pedras, não lanço pedrinhas, não piso em
terra que quero possuir nem tampouco posso chamar fogo do céu. Cada um desses
casos aconteceu apenas uma vez na Bíblia. Nunca se repetiu.
Lembremos que os discípulos nunca repetiram o ato de cuspir na lama
e aplicá-la aos olhos de cegos. Jesus o fez e não nos ensinou a imitá-lo. Segue
que não posso simplesmente pegar a “lição bíblica” e aplicá-la à minha
situação. Isso representa uma violência às Escrituras. Elas não existem para
ser “usadas”, mas para ser uma autoridade sobre nós. A Bíblia não é uma
ferramenta. A Palavra de Deus é uma luz e uma espada que separa o que é de Deus
daquilo que é da carne.
No Novo Testamento, somos instruídos a orar, pedindo ao Senhor da
seara que mande obreiros. Somos instruídos a pregar as boas-novas do Evangelho.
Somos instruídos a orar pelos enfermos (orar, não declarar o que seja). Somos
instruídos a trazer os enfermos perante os líderes da igreja para receber a
oração da fé. Somos instruídos: “Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e
fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina” (2
Tm 4.2). Somos instruídos a pedir que Deus mande o seu Reino e faça a sua
vontade (a oração do Pai Nosso). Mas em nenhum momento somos assegurados de que
podemos invocar o Reino, construí-lo ou implementá-lo. Em nenhum momento somos
instruídos a comandar doenças que saiam. Podemos expulsar demônios pela
autoridade do nome de Jesus – o único exemplo bíblico do uso da palavra de
comando.
Claro que temos de ter cuidado com o que falamos, até porque
seremos julgados por palavras. As palavras podem nos enredar. Mas o poder está
na palavra de Deus e não na nossa. De fato, se nós pregarmos a Palavra, pessoas
conhecerão a verdade (Rm 10.17).
O que passa disso é uma espécie de “feitiçaria pentecostal”. Não
somos profetas que podem simplesmente invocar. Hoje, achamos que a nossa língua
é uma espécie de metralhadora, que, apontada em qualquer direção, terá um
efeito “tiro e queda”, literalmente. Isso é uma aberração do pentecostalismo
moderno. É fruto da união de conceitos bíblicos, superstições medievais e
crenças de religiões heréticas da Nova Era. O pior não é que estejamos nos
tornando esquisitos (se bem que estamos). O pior é que estamos desviando
pessoas da verdadeira fé cristã. Transformamos a igreja num jogo de poder.
Amados irmãos, há muitas pessoas precisando de Cristo. Precisam de
salvação. Estão carentes, machucadas, doentes, frustradas e precisando ser
pastoreadas pela Verdade. Deus tenha misericórdia de nós e nos perdoe por
termos transformado a Igreja num palco de absurdas superstições e truques para
fazer com que todos se sintam “poderosos”. É uma calamidade.
Para fechar este post, recomendo um livro importantíssimo para
entender os limites dos conceitos que abordei aqui: “A Verdadeira Vitória do
Cristão” do autor Maurício Zágari (www.editoraannodomini.com.br).
Para quem está viciado (ou possivelmente frustrado) por esses conceitos
supostamente pentecostais (que de pentecostais de fato não têm nada), recomendo
a sua leitura, e com urgência. Sim, pois aqui fica apenas uma alerta. Não será
num blog que poderei adentrar o assunto com a profundidade bíblica ou histórica
necessária que esse livro aborda.
Na paz,
+W.
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