Os períodos de grande prosperidade são geralmente
acompanhados de declínio moral. Era o caso do reinado de Jeroboão II, rei de Israel,
uns 800 anos antes de Cristo. O país experimentava um desenvolvimento econômico
como nunca antes, desde o tempo de Salomão. Foram construídas muitas casas de
veraneio iguais às melhores residências urbanas. Produtos estrangeiros encheram
o mercado. A vida luxuosa tornou-se a obsessão dos israelitas. Acontecia, porém
que apenas uma minoria tinha acesso à vida boa e burguesa. A maioria esmagadora
lutava para sobreviver. Um salário mínimo irrisório condenava o povo
trabalhador a uma vida de verdadeira escravidão econômica.
A religião era popular. Cultos cheios e impressionantes. No
entanto, a ênfase bíblica era coisa do passado. A linha mais tolerante do
sincretismo dominava o pensamento dos líderes religiosos. Toda religião era
boa. Era popular falar na fé no Senhor, e, ao mesmo tempo, dos valores comuns a
todas as crenças, sem julgar-se nenhuma como sendo errada.
Sem uma insistência nos absolutos
bíblicos, o povo não achava tanta necessidade de
interpretar os dez mandamentos como imprescindíveis. O sétimo mandamento, em particular, era considerado um
bonito ideal, mas afinal de contas não tão
praticável em tempos modernos...
Naqueles dias o pastor Oséias sentiu na carne o impacto da nova sociedade. Casado com a bela Gomer, viveu o drama da surpreendente infidelidade da mulher. Para qualquer homem da fé isso seria um abalo angustioso, mas para um pregador da Palavra de Deus foi o
mais profundo sofrimento imaginável. Oséias tentava conciliar a sua fé num Deus
bondoso com a realidade da sua crise doméstica. Como entender a vontade de
Deus, face ao desmoronamento do lar pastoral?
Alguns comentaristas consideram os primeiros versículos do
livro de Oséias como sendo uma reflexão madura, posterior à tragédia, anos
depois do acontecimento. “Vai, toma uma
mulher de prostituições...” (v.12). destarte, Oséias chegou a entender que
o soberano Deus sabia de antemão que Gomer seria infiel. Deus conhece o
fim desde o princípio. Sabia que Gomer lhe seria infiel. Permitiu a
vasta tragédia na vida de Oséias para que ele compreendesse
o profundo pesar no coração divino: “porque a terra se prostituiu, desviando-se
do Senhor” (1.2). este Deus é Senhor de
todas as circunstâncias, inclusive das que parecem ser totalmente contra
a sua vontade. Oséias se submeteu à realidade nua e crua das circunstâncias,
para aprender que “todas as coisas
contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28).
O profeta do Senhor é sempre a
sua mensagem. Proclama a mensagem verbalmente, mas também a vive na carne. Nas
entrelinhas do primeiro capítulo vemos como Oséias vivia diariamente a mensagem
do Senhor. Nasceram-lhe três filhos aos quais ele deus os nomes mais esquisitos
dados numa família de pastor! Ao primeiro ele deu o nome de Jezreel, cidade famosa por uma atrocidade nela praticada.
Seria como se um pastor moderno chamasse seu filho de “Belsen” ou “Hiroshima”.
Foi por ordem divina que o pastor
Oséias colocou esse repugnante nome no seu primogênito. Imaginemos o triste pastor Oséias, sem mulher em casa,
andando com o pequeno Jezreel, e o constante diálogo na rua:
— “Pastor Oséias,
diga-me uma coisa: por que é que o seu filho tem este nome?”
— “Meu irmão”, responderia
Oséias, “porque Israel será também
destruída da mesma maneira como a casa de Acabe em Jezreel!”
Quando nasceu uma filhinha, Oséias deu-lhe o nome de Desfavorecida (1.6). Coitada, como iria sofrer mais tarde na mesma roda
com as meninas Graça, Linda e Piedade... Imaginemos mais uma vez o diálogo
perto da casa pastoral:
— “Pastor, que linda
menina o senhor tem! Por que o senhor lhe deu um nome que não merece, este de
Desfavorecida?”
— “Meu irmão”,
diria o Pastor Oséias, “ela é filha de uma nação que não receberá mais o favor
perante o Senhor!”
Oséias ficou profundamente abalado com a terceira gravidez de sua mulher,
Gomer. Sabia bem que não era criança dele. Depois
do parto, Oséias deixou seus amigos boquiabertos quando deu a esse último filho
o nome de Não-meu-povo. Imaginemos a
conversa repetida inúmeras vezes entre Oséias e seus paroquianos:
— “Pastor Oséias! Como
se chama o nenê?”
— “Chama-se
Não-meu-povo, irmão”.
— “Desculpe, pastor,
mas o Senhor está falando sério?”
— “Sim, irmão, sei que
este não é meu. É de outro, infelizmente. Coitado dele. Não é meu, como este
povo não é mais povo de Deus. Pense nisto, irmão, que nosso Deus declara a
todos: vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus” (1.9).
E por onde Oséias andasse, todo o mundo estranhava os nomes
feios das suas crianças. O profeta e seus filhos eram literalmente a mensagem de Deus àquele povo superficial que tratava a Palavra de Deus levianissimamente. Anunciava-se o julgamento através da agonia doméstica de Oséias. Mas Deus é misericordioso. O profeta vê além do juízo, até o dia feliz da restauração, quando Israel será chamado “Meu Povo” e “Favorecido” pelo Deus que o chamara (2.1).
Notamos nas pregações de Oséias a analogia entre a sua mulher infiel e a nação de Israel. Gomer foi seduzida pelas atrações do mundo, e pelos artigos de luxo obtidos com os seus favores sexuais (2.5). Quando ela não achou mais fregueses, resolveu
voltar-se para o marido “porque melhor me
ia então do que agora” (2.7). Como ela, Israel foi orientada exclusivamente
pelos interesses materiais, em
prejuízo da vida espiritual. Os sacrifícios oferecidos pelos
israelitas no culto a Baal eram realmente
atos de adultério espiritual contra
o Senhor (2.8). Deus sempre queria que Israel fosse como esposa fiel para Si. O profeta
Oséias não cessava de chamar o seu povo a reatar relações com o Senhor. “Desposar-te-ei comigo em fidelidade” diz
o Senhor (2.20). “Desposar-te-ei comigo
em justiça e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias” (2.19). A
palavra “misericórdias” traduz o
hebraico chesed, que significa
o amor constante e leal. Na
atitude de Oséias para com Gomer vemos até que ponto o amor constante do Senhor pode-se
reproduzir no homem.
A vergonhosa infidelidade de Gomer não tinha limites. Seguindo a vida boêmia ela sofreu necessidades, a
ponto de se vender como escrava-concubina (3.2). O amor leal e o perdão ilimitado de Oséias
foram tamanhos que ele a comprou do seu senhor. Este amor redentor a levou
novamente para a casa do profeta, onde ela foi obrigada a
ficar, mas sem gozar de todos os privilégios de mulher. Sem dúvida a vizinhança cochichava o fato de que os dois não dormiam no mesmo quarto. Isso
também fazia parte da mensagem divina! Pela sua
infidelidade, Gomer não vivia propriamente como esposa, mas como encarregada dos assuntos domésticos.
Semelhantemente, Israel infiel iria perder os seus privilégios no exílio. Não haveria mais rei, nem família real, nem
religião, nem culto (3.4). Somente “nos
últimos dias” os filhos de Israel se aproximariam do Senhor (3.5). A perfeita comunhão com o Senhor é
o alvo de toda a obra da redenção. “Permanecei em mim, e
eu permanecerei em vós”, prometeu o Senhor Jesus (João 15.4).
Nos capítulos 4 a 8 da profecia,
Oséias revela até que ponto Israel se tinha corrompido moral e espiritualmente. Não havia nem
verdade, nem amor leal (chesed), nem conhecimento de Deus (5.1). Quando
o povo se separa de Deus, as conseqüências morais são
inevitáveis: “o que só prevalece é
perjurar, mentir, matar, furtar, e adulterar” (4.2). Para obter-se o máximo lucro, o homem
pecador arruína a própria natureza. O desequilíbrio ecológico segue a
exploração egoísta da terra. “Por isso a
terra está de luto, e todo que mora nela desfalece, com os animais do campo e
com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem” (4.3). Há uma relação direta entre o conhecimento da Palavra de Deus a responsabilidade sócio-econômica em qualquer país. Israel se gabava da suntuosidade dos
cultos religiosos, mas o seu coração estava vazio do amor
leal, e corrompido pelo destemor da justiça.
A religião divorciada da moral se define biblicamente como prostituição
espiritual (5.4). Deus não permite que o seu povo
se aproxime dele naquele estado. Por mais incrível que parecesse aos
israelitas, Oséias lhes advertiu do castigo divino, em que o Senhor os
despedaçaria como um leão. Longe de os proteger, Deus os destruiria (5.14). Em
todas as épocas o povo de Deus nunca entende que Deus trata o seu povo com mais
severidade e não com menos.
Em resposta à pregação de Oséias, alguns professaram a
conversão (6.1). Mas o arrependimento de Israel era
tão passageiro como a nuvem da manhã, ou como o orvalho da madrugada (6.4). É bem
fácil dizer: “Tornemos para o Senhor.
Depois de dois dias ele nos revigorará”. O mal dentro da sociedade estava
tão arraigado na prática da exploração econômica, na imoralidade, e na avidez
de riquezas luxuosas, que tais profissões de conversão eram vazias. Olhando
para os imponentes sacrifícios e os solenes cultos litúrgicos sem a pregação da
Lei do Senhor, Oséias não pôde se conter, e bradou o recado divino:
“Pois misericórdia (chesed) quero, e não
sacrifício!
e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.” (6.6)
e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.” (6.6)
Israel observava a sua religião, mas onde estava o amor leal? Oferecia abundantes sacrifícios, mas onde o conhecimento de Deus? Este versículo traduz fielmente a mensagem central do
profeta. Ele contemplava a dicotomia na vida do seu povo. Muita religiosidade e muita imoralidade; muita profissão de fé, e muita corrupção; como óleo e água não se misturam. Oséias considera Israel
como um pão não virado no forno: de um lado queimado pelas suas paixões, e do outro massa mole que não resiste ao tato, portanto completamente imprestável (7.8). Deus chama o seu
povo a uma vida íntegra. Não agrada a
Deus a nossa proclamação da salvação pela fé se não há
a correspondente transparência de vida moral e social. O hipócrita engana a si mesmo. “As cãs se espalham sobre
ele, e ele não o sabe” (7.9). Todo o mundo percebe a sua incoerência, menos
ele.
A religião não salva. O Deus cultuado por Israel mandou
embocar a trombeta do juízo (8.1). Deus viria como a águia contra a casa do
Senhor. Aqui, “águia” bem pode ser traduzido por “urubu” que se alimenta de
animais mortos. Deus os chamava, pois Israel
estava para morrer!
Houve também várias facetas da apostasia de Israel. Israel
rejeitou o bem (8.3). Israel abandonou os absolutos da lei do Senhor. O que era
errado no tempo de Moisés, também o era no período de Oséias, e também o é
hoje. A “ética da situação” em voga nestas últimas décadas do século XX
representa uma tentativa filosófica de fugir da exigência moral duma lei
irredutível. Como Israel, a nossa sociedade quer uma religião acomodatícia, que
não imponha restrições à vida social, econômica ou sexual. Os israelitas eram
“crentes de fim-de-semana”; eram fervorosos para como Senhor no sábado, mas nos
outros dias da semana eram opressores dos pobres, gananciosos e desenfreados
nos desejos sensuais.
A dinastia real em Israel, que levou a nação para o mal, não
era a descendência de Davi, a quem Deus tinha prometido o trono em perpetuidade
(1Cr 17.12). Quando, depois da morte de Salomão, o reino se dividiu, dez tribos
tomaram como rei a Jeroboão, chefe dos engenheiros responsáveis pela obra de
terraplanagem de Jerusalém (1Reis 11.27). Jeroboão I não era, portanto, rei da
parte do Senhor. Agora, duzentos anos mais tarde, no reinado de Jeroboão II,
Oséias aponta para a grave irregularidade na direção do país. “Estabeleceram
reis, mas não da minha parte” (8.4). Toda aquela dinastia tinha usurpado o
poder.
FONTE: Justiça e Esperança para hoje – Dionísio Pape
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