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Faltei à formatura da minha faculdade. Fiquei pendurada porque tirei nota baixa em estatística, tive de fazer o crédito em recuperação e colei grau sozinha no meio do ano. Confesso que não me recuperei em estatística. Assim como não aprendi jornalismo na escola de jornalismo. Lembro dos professores complacentes, um lacaniano esquisito (pleonasmo?), um comunista feroz, uma preguiçosa que não preparava nada e flertava com alunos.
Só fui boa aluna até o fim do
segundo grau. Faltava muito à aula na faculdade porque já trabalhava como
repórter. Aprendi o ofício na redação.
Uma vez, não preparei o trabalho
final de uma matéria e só me lembrei na manhã da última aula. Lavei um vidro de
geleia, datilografei várias palavras e joguei o papel picado lá dentro. Sacudi
e entreguei para o professor, dizendo que era um poema concreto. Tirei nota 8.
Obrigar o jornalista a ter
diploma de jornalismo é como obrigar um cantor a tomar aula de voz antes de
cantar no palco, uma violação da liberdade de expressão. Não que uma boa escola
de jornalismo seja inútil, pelo contrário, a da Columbia University, aqui
perto, é uma usina de grandes profissionais. Mas é uma escola de pós-graduação,
você só é aceito se já escrever num nível cada vez mais raro na nossa imprensa.
As redações eram a lição de
anatomia do jornalista da minha geração. Hoje é indispensável aprender técnicas
do jornalismo digital. Jornalista deve estudar, acima de tudo, português e se
educar em história, literatura, economia, ciência, filosofia e ciência
política. Quem chega à redação passou pelo crivo de editores e competiu com
seus pares, mesmo por um estágio.
Não compreendo por que um
graduado em economia que escreve bem seria impedido de cobrir o Banco Central e
substituído por um foca que pode ser facilmente enrolado, já que não decifra a
informação financeira. Não fui capaz de questionar porta-vozes do governo
quando tive que substituir colegas na cobertura da negociação da dívida externa
em Nova York. Não entendia bulhufas dos comunicados.
Mão de
obra barata
O senador paraibano Cícero
Lucena declarou, orgulhoso, pelo Twitter, que votou a favor da obrigatoriedade
do diploma porque "democracia se faz com jornalismo ético, profissional e
técnico". Sua excelência vai me desculpar, mas essa frase não passa pelo
copidesque. O que tem a democracia a ver com a profissionalização do
jornalista? E com sua capacidade técnica de fazer fotografia com foco? A ética
começa ainda na primeira dentição, em casa, é aperfeiçoada durante a educação e
é fundamental para qualquer profissão.
A democracia se faz com
jornalismo, ponto. Quando Thomas Jefferson disse que era melhor ter um país sem
governo do que um país sem jornais, a inspiração era o civismo, não o
corporativismo. O baixo nível da maioria das escolas de comunicação é que erode
a democracia porque joga milhares de jovens iletrados na vala comum do
subemprego, fabrica profissionais despreparados para contestar o poder e
investigar a corrupção num mundo cada vez mais sofisticado e falsificado pelo
marketing. Não foi coincidência Charles Ferguson, ganhador do Oscar de 2011 por Inside
Job, ter conduzido as entrevistas mais reveladoras já feitas sobre
o crash de
2008. O homem se formou em matemática e fez PHD em ciência política, sabia o
que perguntar.
A desculpa usada pelo senador
sergipano Antonio Carlos Valadares - empresas de comunicação se opõem ao
diploma porque querem contratar mão de obra barata - é absurda. A epidemia de
cursos superiores de jornalismo alimenta a distorção de mercado que baixa os
salários. Por que só o senador Aloysio Nunes Ferreira teve coragem de apontar a
aberração constitucional do voto? Qual o motivo por trás da esmagadora maioria
dos votos a favor?
E o que define para esses
parlamentares a tal profissão, numa era em que qualquer um munido desmartphone pode narrar e fotografar um atentado
no Afeganistão e apertar "enviar"? A diferença é editorial e o
público vota no bom jornalismo selecionando onde deposita sua atenção. As
empresas de comunicação que quiserem produzir seu conteúdo com mão de obra
medíocre e barata terão na exigência do diploma sua maior aliada.
O jornalismo é um bem social
importante demais para ficar nas mãos de jornalistas diplomados.
***
[Lúcia Guimarães é jornalista, em Nova York]
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