Michael Shermer
Após entrar no
meio acadêmico e científico, Shermer abandonou sua fé e se tornou um ativista
no combate às crenças e religiões. O psicólogo concedeu uma entrevista à
revista Veja e falou sobre o tema.
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Shermer afirma que o caminho trilhado por cientistas e crentes é frontalmente contrário: “É na categoria de homens que não se rendem a narrativas fictícias, que se encaixa o cientista. Os crentes seguem a trilha inversa, a dos que se contentam com suposições sobrenaturais”. Para o psicólogo, a crença “é um fenômeno que tem a ver com a química do cérebro: a convicção de que o pensamento mágico é o que basta para a compreensão do universo produz uma sensação de prazer. Ficamos felizes em imaginar que seres místicos, sejam eles deuses ou extraterrestres, se preocupam e cuidam de nós. Não nos sentimos sós”, argumenta.
Shermer afirma que o caminho trilhado por cientistas e crentes é frontalmente contrário: “É na categoria de homens que não se rendem a narrativas fictícias, que se encaixa o cientista. Os crentes seguem a trilha inversa, a dos que se contentam com suposições sobrenaturais”. Para o psicólogo, a crença “é um fenômeno que tem a ver com a química do cérebro: a convicção de que o pensamento mágico é o que basta para a compreensão do universo produz uma sensação de prazer. Ficamos felizes em imaginar que seres místicos, sejam eles deuses ou extraterrestres, se preocupam e cuidam de nós. Não nos sentimos sós”, argumenta.
Sobre o tempo
que era evangélico e atuava na propagação do evangelho, Michael Shermer
responsabiliza o desejo por explicações simples: “Somos mais abertos à religião
na juventude e na velhice. Naturalmente, no fim da vida é comum procurar por
conceitos reconfortantes, ainda que irreais. No meu caso, o apelo da crendice
me atingiu na juventude, como uma explicação fácil para tudo o que existe. A religião
tem um apelo social enorme. O ambiente alentador de uma comunidade ajuda a
afastar as dúvidas até daqueles que não acreditam plenamente no sobrenatural e
nos dogmas religiosos. Desvencilhei-me da crença ao entrar para a comunidade
científica. O método científico, cujo princípio básico é o de que qualquer
afirmação deve ser comprovada em experimentos repetidos, alimenta o ceticismo e
favorece o progresso”.
Sobre a crença
em ideais, o pesquisador afirma que em seu ponto de vista, seria bom que a
sociedade abolisse a religião: “É impossível deixar de crer. A ciência também
depende da nossa capacidade de elaborar crenças. Qualquer experimento nasce com
uma premissa baseada no que se acredita ser verdade. Ideologias também precisam
da habilidade de crer. Eu acredito no liberalismo, na democracia e nos direitos
humanos. Podemos, porém, abandonar o que não pode ser explicado, como deuses e
bruxos. Não nos faria falta”, pontua.
A crítica às
igrejas em geral é severa, por parte de Michael Shermer, que exemplifica
comparado sociedades menos religiosas a países como o Brasil: “As igrejas se
tornaram um fator de corrupção, motivo de guerras e perseguições. Por sorte,
presenciamos o declínio da crença no sobrenatural. Países do norte europeu,
onde apenas um quarto da população segue alguma religião, têm índices de
criminalidade, suicídio e doenças sexualmente transmissíveis inferiores aos de
estados em que a maioria dos habitantes é de crentes, como os Estados Unidos e
o Brasil. Se a religião se declara um bastião da bondade, por que,
historicamente, estados teocráticos são mais suscetíveis à criminalidade do que
os seculares?”, questiona.
Por que as
pessoas acreditam no inacreditável?
A evolução fez
do cérebro uma espécie de máquina de reconhecimento de padrões na natureza. Às
vezes, esses padrões são reais, mas na maioria dos casos são fruto da
imaginação. Milhões de anos no passado, ao ouvir um barulho vindo da mata, um
hominídeo poderia supor que se tratava de algo inofensivo, como o vento. Se
estivesse errado, e fosse um predador, correria o risco de ser devorado. Nosso
ancestral poderia, por outro lado, imaginar a presença de uma divindade
perigosa no mato e se afastar o mais rápido possível.
A segunda opção
é a que a maioria adota. Imaginar o perigo e fugir garante a sobrevivência, mas
também a ignorância. Ir até o mato verificar do que realmente se trata o
barulho exige curiosidade e uma batalha contra os instintos. É nessa categoria,
a dos homens que não se rendem a narrativas fictícias, que se encaixa o
cientista. Os crentes seguem a trilha inversa, a dos que se contentam com
suposições sobrenaturais. É um fenômeno que tem a ver com a química do cérebro:
a convicção de que o pensamento mágico é o que basta para a compreensão do
universo produz uma sensação de prazer. Ficamos felizes em imaginar que seres
místicos, sejam eles deuses ou extraterrestres, se preocupam e cuidam de nós.
Não nos sentimos sós.
Como se sabe
que o cérebro é propenso a acreditar no fantástico?
A neurociência
identifica padrões de ondas cerebrais distintos que nos levam a criar crendices
e a ter prazer na constatação de que temos respostas às nossas dúvidas. Em
situações extremas, como as enfrentadas por quem está no limite da resistência
física ou próximo à morte, o cérebro reage com a redução da atividade na área
responsável pela consciência e o aumento em regiões ligadas à imaginação. Essa
reação natural está na origem das alucinações. Não há mistério nesse processo.
Os cientistas são capazes de produzir visões ou a sensação de transcendência
espiritual com o estímulo artificial de certas áreas do cérebro.
O senhor foi um
cristão evangélico ativo no esforço de atrair fiéis para sua igreja. Como se
tornou um cético?
Somos mais
abertos à religião na juventude e na velhice. Naturalmente, no fim da vida é
comum procurar por conceitos reconfortantes, ainda que irreais. No meu caso, o
apelo da crendice me atingiu na juventude, como uma explicação fácil para tudo
o que existe. A religião tem um apelo social enorme. O ambiente alentador de
uma comunidade ajuda a afastar as dúvidas até daqueles que não acreditam
plenamente no sobrenatural e nos dogmas religiosos. Desvencilhei-me da crença
ao entrar para a comunidade científica. O método científico, cujo princípio
básico é o de que qualquer afirmação deve ser comprovada em experimentos
repetidos, alimenta o ceticismo e favorece o progresso.
O que faz com
que a ciência seja a melhor ferramenta para explicar o mundo?
A ciência é
democrática. Qualquer um pode estudar e chegar a conclusões racionais.
Cientistas estão abertos à possibilidade de estarem errados e, por isso,
promovem a invenção e a reinvenção de conceitos. É o que garante o avanço do
conhecimento. A crendice é intolerante. Fixa uma verdade e não abre espaço para
perguntas. Se nos apegássemos apenas ao sobrenatural, nunca teríamos saído da
floresta e criado a civilização.
No mundo
moderno, ainda precisamos da crença?
É impossível
deixar de crer. A ciência também depende da nossa capacidade de elaborar
crenças. Qualquer experimento nasce com uma premissa baseada no que se acredita
ser verdade. Ideologias também precisam da habilidade de crer. Eu acredito no
liberalismo, na democracia e nos direitos humanos. Podemos, porém, abandonar o
que não pode ser explicado, como deuses e bruxos. Não nos faria falta.
Há vantagens na
crença?
A evolução nos
concedeu a habilidade de acreditar por boas razões. A crença em divindades nos
levou a temer o mundo e, com isso, nos ajudou a sobreviver nele. Também
contribuiu para a formulação de leis que regiam comunidades primitivas. A moral
e a ética nasceram na religião.
Se a ética tem
origem religiosa, por que ela prevalece na sociedade laica?
As igrejas se
tornaram um fator de corrupção, motivo de guerras e perseguições. Por sorte,
presenciamos o declínio da crença no sobrenatural. Países do norte europeu,
onde apenas um quarto da população segue alguma religião, têm índices de
criminalidade, suicídio e doenças sexualmente transmissíveis inferiores aos de
estados em que a maioria dos habitantes é de crentes, como os Estados Unidos e
o Brasil. Se a religião se declara um bastião da bondade, por que,
historicamente, estados teocráticos são mais suscetíveis à criminalidade do que
os seculares?
Apesar de
vivermos na era da ciência, cresce a crença no sobrenatural. Por quê?
É verdade que
vivemos num mundo em que a ciência faz parte do dia a dia. Todos gostam de
iPhones e admiram as naves que pousam em
Marte. Mas poucos abdicam
de crenças sobrenaturais e aceitam a ciência como ferramenta para explicar o
universo. A maioria só quer aproveitar os produtos da ciência. Quando se trata
de responder a dúvidas primordiais, como a origem do universo ou o sentido da
existência, preferem explicações irreais, mas convincentes em suas narrativas
fictícias.
Por que o
senhor se dá ao trabalho de combater a superstição?
Sempre me
perguntam por que não deixo os crentes em
paz. Ocorre que a crença no
sobrenatural não é inócua. Ao contrário, é bastante perigosa. Acreditar na dita
medicina alternativa é um exemplo. Muita gente morre por substituir o
tratamento médico sério por procedimentos supersticiosos, como o consumo de
ervas com propriedades supostamente milagrosas.
Não é possível
provar a existência de divindades e criaturas fantásticas. O senhor concorda
que também é difícil provar que não existam?
O fato de não
explicarmos um mistério não significa que ele exija explicações sobrenaturais.
Só mostra que ainda não há resposta. O ônus da prova cabe aos crentes. O cético
só crê no que é provado. Nesse aspecto, a ciência tem feito bom trabalho ao
desmascarar mitos. No passado, já se acreditou que a Terra viajava pelo cosmo
no lombo de um elefante. Existem 10.000 religiões. Espanta-me a arrogância de
quem supõe que só uma crença seja correta em meio a tantas.
O senhor leva
em consideração que pode estar errado?
Assim como
todos, só descobrirei a resposta quando morrer. Como cientista, estou aberto à
possibilidade de ter me enganado. Se houver um ou vários deuses, ficarei
surpreso. Mas não tenho medo. Se há um Deus, ele me deu um cérebro para pensar.
Meu pecado seria usá-lo para raciocinar e buscar explicações? Um ser
benevolente não me puniria por utilizar bem as armas que me concedeu.
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