Por Miguel Núñes
Esse
tem sido um dos temas mais controversos ao longo dos anos, e que
lamentavelmente muitos têm respondido de uma maneira emocional e não através da
análise bíblica. Aqueles de nós que crescemos no catolicismo sempre ouvimos que
o suicídio é um pecado mortal que irremediavelmente envia a pessoa para o
inferno. Para muitos que têm crescido com essa posição, é impossível
despojar-se dessa ideia.
Outros
têm estudado o tema e, depois de fazê-lo, concluem que nenhum cristão seria
capaz de acabar com sua própria vida. Há outros que afirmam que um cristão
poderia cometer suicídio, mas perderia a salvação. E ainda outros pensam que um
cristão poderia cometer suicídio em situações extremas, sem que isso o conduza
à condenação.
Em
essência temos, então, quatro posições:
1. Todo aquele que comete suicídio, sob
qualquer circunstância, vai para o inferno (posição Católica Tradicional).
2. Um cristão nunca chega a cometer suicídio,
porque Deus impediria.
3. Um cristão pode cometer suicídio, mas
perderá sua salvação.
4. Um cristão pode cometer suicídio, sem que
necessariamente perca sua salvação.
A
primeira dessas quatro posições foi basicamente a única crença até a época da
Reforma, quando a doutrina da salvação (Soteriologia) começou a ser melhor
estudada e entendida. Nesse momento, tanto Lutero como Calvino concluíram que
eles não podiam afirmar categoricamente que um cristão não poderia cometer
suicídio e/ou o que se suicidava iria ser condenado. Na medida em que a
salvação das almas foi sendo analisada em detalhes, muitos dos reformadores
começaram a fazer conclusões, de maneira distinta, sobre a posição que a Igreja
de Roma tinha até então.
No
fim das contas, a pergunta é: O Que a Bíblia diz?
Começamos
mencionando aquelas coisas que sabemos de maneira definitiva a partir da
revelação de Deus:
O
ser humano é totalmente depravado (primeiro ponto do TULIP calvinista). Com
isso, não queremos dizer que o ser humano é tão mal quanto poderia ser, mas que
todas as suas capacidades estão manchadas pelo pecado: sua mente ou intelecto,
seu coração ou emoções, e sua vontade.
- O
cristão foi regenerado, mas mesmo depois de ter nascido de novo, devido à
permanência da natureza carnal, continua com a capacidade de cometer
qualquer pecado, com a exceção do pecado imperdoável.
- O
pecado imperdoável é mencionado em Marcos 3:25-32 e outras passagens, e a
partir desse contexto podemos concluir que esse pecado se refere à
rejeição contínua da ação do Espírito Santo na conversão do homem. Outros,
a partir dessa passagem citada, atribuem a Satanás as obras do Espírito de
Deus. Obviamente, em ambos os casos está se fazendo referência a uma
pessoa incrédula.
- De
maneira particular, queremos destacar que o cristão é capaz de tirar a
vida de outra pessoa, como fez o Rei Davi, sem que isso afete a sua
salvação.
- O
sacrifício de Cristo na cruz perdoou todos os nossos pecados: passados,
presentes e futuros (Colossenses 2:13-14, Hebreus 10:11-18)
- O
anterior implica que o pecado que um cristão cometerá amanhã foi perdoado
na cruz, onde Cristo nos justificou, e fomos declarados justos sem de fato
sermos, e o fez como uma só ação que não necessita ser repetida no futuro.
Na cruz, Cristo não nos tornou justificáveis, mas justificados (Romanos
3:23-26, Romanos 8:29-30)
A salvação e o ato do suicídio
Dentro
do movimento evangélico existe um grupo de crentes, a quem já aludimos,
denominados Arminianos, que diferem dos Calvinistas em relação à doutrina da
salvação. Uma dessas diferenças, que não é a única, gira em torno da
possibilidade de um cristão poder perder a salvação. Uma grande maioria nesse
grupo crê que o suicídio é um dos pecados capazes de tirar a salvação do
crente. Nós, que afirmamos a segurança eterna do crente (Perseverança dos
Santos), não somos daqueles que acreditam que o suicídio ou qualquer outro
pecado eliminaria a salvação que Cristo comprou na cruz.
Tanto
na posição Calvinista como na Arminiana, alguns afirmam que um cristão jamais
cometerá suicídio. No entanto, não existe nenhum versículo ou passagem bíblica
que possa ser usado para categoricamente afirmar essa posição. Alguns, sabendo
disso, defendem sua posição indicando que na Bíblia não há nenhum suicídio
cometido pelos crentes, enquanto aparecem vários casos de personagens não
crentes que acabaram com suas vidas. Com relação a essa observação, gostaria de
dizer que usar isso para estabelecer que um cristão não pode cometer suicido
não é uma conclusão sábia, porque estamos fazendo uso de um argumento de
silêncio, que na lógica é o mais débil de todos. Há várias coisas não mencionadas
na Bíblia (centenas ou talvez milhares) e se fizermos uso de argumentos de
silêncio, estamos correndo o risco de estabelecer possíveis verdades nunca
reveladas na Bíblia. Exemplo: não aparece um só relato de Jesus rindo; a partir
disso eu poderia concluir que Jesus nunca riu ou não tinha capacidade para rir.
Seria esse um argumento sólido? Obviamente não.
Gostaríamos
de enfatizar que, se alguém que vive uma vida consistente com a fé cristã
comete suicídio, teríamos que nos perguntar antes de ir mais além, se realmente
essa pessoa evidenciava frutos de salvação, ou se sua vida era mais uma
religiosidade do que qualquer outra coisa. Eu acho que, provavelmente, esse
seria o caso da maioria dos suicídios dos chamados cristãos.
Apesar
disso, cremos que, como Jó, Moisés, Elias e Jeremias, os cristãos podem se
deprimir tanto a ponto de quererem morrer. E se esse cristão não tem um chamado
e um caráter tão forte como o desses homens, pensamos que pode ir além do mero
desejo e acabar tirando a própria vida. Nesse caso, o que Deus permitir
acontecer pode representar parte da disciplina de Deus, por esse cristão não
ter feito uso dos meios da graça dentro do corpo de Cristo, proporcionados por
Deus para a ajuda de seus filhos.
Muitos
acreditam, como já mencionamos, que esse pecado cometido no último momento não
proveu oportunidade para o arrependimento, e é isso o que termina roubando-lhe
a salvação ao suicidar-se. Eu quero que o leitor faça uma pausa nesse momento e
questione o que aconteceria se ele morresse nesse exato momento, se ele pensa
que morreria livre de pecado. A resposta para essa pergunta é evidente: Não!
Ninguém morre sem pecado, porque não há nenhum instante em nossas vidas em que
o ser humano está completamente livre do pecado. Em cada momento de nossa
existência há pecados em nossas vidas dos quais não estamos nem sequer
apercebidos, e outros que nem conhecemos, mas que nesse momento não temos nos
dirigido ao Pai para buscar seu perdão, simplesmente porque o consideramos um
pecado menos grave, ou porque estamos esperando pelo momento apropriado para ir
orar e pedir tal perdão.
A
realidade sobre isso é que, quando Cristo morreu na cruz, ele pagou por nossos
pecados passados, presentes e futuros, como já dissemos. Portanto, o mesmo
sacrifício que cobre os pecados que permanecerão conosco até o momento de nossa
morte é o que cobrirá um pecado como o suicídio. A Palavra de Deus é clara em
Romanos 8:38 e 39: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do
porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra
criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso
Senhor”. Note que o texto diz que “nenhuma outra coisa criada”. Esta
frase inclui o próprio crente. Notemos também que essa passagem fala que “nem
as coisas do presente, nem do porvir”, fazendo referência às situações
futuras que ainda não vivemos. Por outro lado, João 10:27-29 nos fala que
ninguém pode nos arrebatar da mão de nosso Pai, e Filipenses 1:6 diz que “aquele
que começou a boa obra em vós, há de completá-la até o dia de Cristo Jesus”.
Concluindo:
- Se
estabelecemos que o cristão é capaz de cometer qualquer pecado, por que
não conceber que potencialmente ele poderá cometer o pecado do suicídio?
- Se
estabelecemos que o sangue de Cristo é capaz de perdoar todo pecado, ele
não cobriria esse outro pecado?
- Se o
sacrifício na cruz nos tornou perfeitos para sempre, como diz o autor de
Hebreus (7:28, 10:14), não seria isso suficiente para afirmarmos que
nenhum pecado rouba a nossa salvação?
- Se até
Moisés chegou a desejar que Deus lhe tirasse a vida, devido à pressão que
o povo exerceu sobre ele, não poderia um paciente esquizofrênico ou na condição
de depressão extrema, que não tenha a força de caráter de um Moisés,
atentar contra a sua própria vida de maneira definitiva?
- Se não
somos Deus e não temos nenhuma maneira de medir a conversão interior do
ser humano, poderíamos afirmar categoricamente que alguém que deu
testemunho de cristão durante sua vida, ao cometer suicídio, realmente não
era um cristão?
- Baseados
na história bíblica e na experiência do povo de Deus, poderíamos concluir
que o suicídio entre crentes provavelmente é uma ocorrência
extraordinariamente rara, devido à ação do Espírito Santo e aos meios de
graça presentes no corpo de Cristo.
- Pensamos
que o suicídio é um pecado grave, porque atenta contra a vida humana. Mas
já estabelecemos que um crente é capaz de eliminar a vida humana, como o
fez Davi. Se eu posso fazer algo contra alguém, como não conceber que
posso fazê-lo contra mim mesmo? Essa é a nossa posição.
Como
você pode ver, não é tão fácil estabelecer uma posição categórica sobre o
suicídio e a salvação. Tudo o que podemos fazer é raciocinar através de
verdades teológicas claramente estabelecidas, a fim de chegar a uma provável
conclusão sobre um fato não estabelecido de forma definitiva. Portanto, quanto
mais coerentemente teológico for meu argumento, mais provável será a conclusão
que eu chegar. Agostinho tinha razão ao dizer: “Naquilo que é essencial,
unidade; naquilo que é duvidoso, liberdade; e em todas as coisas, caridade”.
Minha recomendação é que você possa fazer um estudo exaustivo, outra vez ou
pela primeira vez, acerca de tudo o que Deus disse sobre a salvação, que é
muito mais importante que o suicídio, que é quase nada.
***
VIA: http://bereianos.blogspot.com.br/2014/01/ao-cometer-suicidio-o-cristao-perde.html#.UumxMxBdXgc
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