Este artigo é bastante extenso mas aconselho lê-lo por completo!
Através das informações aqui expostas saberás interpretar o significado oculto de muitas estruturas que estão ao nosso redor nas ruas das cidades.
Se o problema for falta de tempo, não desanime!
Leia um pouco por vez, até chegar ao fim, mas não deixe de ler!
Se fores preguiçoso permanecerás na ignorância!
Adson Lins
ORIGEM E EVOLUÇÃO DO NOME MADRID
Edificada na margem
esquerda do Rio Manzanares, Madrid foi por D. Filipe II elevada à categoria de
capital da Espanha em Junho de 1561, ao transladar a corte de Toledo para aqui,
então contando com trinta mil habitantes. Com a chegada da corte a cidade
começou a crescer vertiginosamente, construindo-se edifícios nobres, igrejas e
conventos, em torno dos quais a vida social decorria e aumentava.
Segundo as crónicas
espanholas, a escolha real de Madrid para sede política da antiga Hispânia
deveu-se sobretudo ao facto de nesse tempo ela ser como um oásis paradisíaco
com jardins, bosques, prados, fontes e um quase permanente céu azul. Os
produtos da agricultura e da caça eram suficientes para manter a escassa população
do povoado. Para evitar os malefícios dos ventos agrestes da Serra de
Guadarrama, foram plantadas árvores de grande porte que proporcionam nos dias
estivais uma agradável frescura.
Os mais antigos cronicões
que se referem a Madrid são do século X da era actual. Neles descreve-se o
burgo como dispondo de uma fortaleza acastelada no local onde mais tarde se
ergueria o palácio real, sob o reinado de Filipe V.
Etimologicamente, Madrid deixa-se
analisar através das falas celtas que acabariam entrando nas línguas de outros
povos posteriormente fixando-se nestas terras do Rio Manzanares. Há testemunhos
arqueológicos que provam a existência do Homem aqui desde o Paleolítico, e uma
povoação recuando ao Neolítico e às Idades do Bronze e do Ferro, portanto, à
Proto-História.
Os celtas empregavam o
termo magos como denominação de “campo”, tema que foi
alargando o seu âmbito semântico até envolver o sentido de “mercado”. Magos é
o primeiro tema incorporado no topónimo Madrid, sendo o segundo o
nome ritum, com o qual os celtas designavam os locais de passagem
dos cursos fluviais. Magos e ritum são os temas originais
constitutivos do topónimo Madrid. O Magoritum celta
metaplasmou-se na voz mourisca Mageritque a prosódia árabe
fonetizou Madjerit, de que advieram as formas Madrit e Madrid.
Aos celtas sucederam os
romanos na dominação do Magoritum castrejo, e deram-lhe então o nome
de Osoria, corrompido Ursaria, isto por haverem ursos
em abundância nestas terras e, sobretudo, por os habitantes do castro terem se
defendido dos sitiantes “como ferozes ursos guerreiros”.
Reportando-se ao período
romano madrileno, vários autores dos séculos XVII-XIX falaram e escreveram
afirmativamente que a cidade tinha origens mitológicas, resultantes do desejo
íntimo de emularem a história de outras cidades europeias na ignorância de
velhas civilizações perdidas redescobertas, vez por outra, pelos actuais
investigadores cientistas. Os que acreditaram na origem mitológica de Madrid,
afirmaram que ela foi então chamada Metragirtaou Mantua Carpetana sendo
fundada por Ocno Bianor, filho de Tibério, rei da Toscana e da bela Mantua.
Nos finais do século IX,
os árabes sob o domínio do califa Muhammad I, quinto emir independente de
Córdoba e filho de Abderramán II, construíram um alcazár na colina sobre a
margem esquerda do Rio Manzanares, e foi quando Madrid tomou a
feição de verdadeira cidade numa sociedade mais pastoril que sedentária. O seu
nome passou a soar nas vozes mouriscas Magerit, com as suas
variantes Madjerit, Mageridum, Magritum, Matritum, Mayrit,
etc.
Dentre os madrilenos
muçulmanos ilustres destaca-se Abul-Qasim Maslama, astrónomo e matemático.
Após a conquista de
Toledo por Alfonso VI de Castela a cidade passa para o domínio cristão, apesar
de mudar de mãos mouras a cristãs várias vezes, sendo conquistada
definitivamente em 1085. É quando a Mayrit arábica se torna
a Madrit românica.
Mayrit herda o nome da Madrid pré-muçulmana,
provavelmente visigótica dos séculos V-VII d. C., que aludindo ao arroio
correndo por entre as duas colinas enfrentando o povoado, chamaram-lhe Matrix,
“Matriz”, “Mãe das Águas”. O tema é prosseguido no nome Mayrit,
composto pelo termo árabe Mayra, “Mãe, Matriz”, e o sufixo
ibero-românico it, equivalente a “lugar”. Madrit significa
a mesma coisa, e assim também a forma actual de a falar e grafar: Madrid,
termo que atendendo ao epíteto Mãe das Águas, aqui as primordiais da
Criação que corriam no Jardim do Éden, chega a ser interpretado como Madre
de Dios.
Como se constata, Madrid
foi uma povoação fundada por um clã de etnia céltica junto de uma passagem ou
arroio do Rio Manzanares, e num edénico campo que segundo os autores espanhóis
fazia lembrar o Paraíso bíblico.
SIMBOLISMO TRADICIONAL
DA PORTA DO SOL
A Porta do Sol,
marco ou quilómetro zero das estradas radiais espanholas desde 1950, desde esta
data destronou a Praça Maior de Madrid e tornou-se o centro
axial da cidade. Já desde os séculos XVI e XVII que este enclave vinha
aumentando de importância estratégica, devido a uma série de acontecimentos
lendários envolvendo desde o próprio Lúcifer, o Anjo Caído, até ao urso e o
medronheiro do simbolismo da primitiva cultura celta.
O nome da Porta provém de
um Sol que adornava a cerca de entrada no burgo no século XV, estando orientada
para Levante. Esse Sol de pedra desapareceu com o tempo e no século XIX as suas
funções simbólicas foram reocupadas pelo relógio da torre da Casa dos Correios,
o edifício mais antigo desta Praça. O povo madrileno costuma reunir-se aqui
para festejar a passagem do ano velho para o novo, anunciado pelas doze
badaladas do relógio, e nesse momento festivo ninguém pensa e quase de certeza
nem sabe que as mesmas badaladas servem igualmente para esconjurar o Príncipe
do Mal, Lúcifer.
Protagonista, sem querer,
dum acontecimento estranho, foi o célebre relógio (que não é o actual que
substituiu aquele) procedente da antiga igreja (e hospital de caridade) do Bom
Sucesso, que já estava um tanto em desuso e que acabaram derrubando. Conta-se
que quando as tropas napoleónicas ocuparam Madrid em 2 de Novembro de 1812, um
capitão dos Dragões franceses instalou-se no edifício da torre do relógio
acompanhado dum punhado de soldados, que conseguiram sobreviver ao furor
popular nos primeiros momentos do levantamento madrileno. Quando a população
soube onde estavam esses franceses, enfurecida cercou a Casa dos Correios para
os chacinar. Os soldados conseguiram fugir, porém, do capitão francês nada se
soube. Mas a lenda garante que o próprio Lúcifer ajudou-o a esconder-se no
relógio. A fim de encontrá-lo, foram convocados especialistas relojoeiros de
todo o país para que revistassem minuciosamente a maquinaria, acabando por
encontrar… um rato pequenino! Estava encontrada a explicação do desaparecimento
misterioso do capitão francês: o Diabo transformara-o num rato para que pudesse
escapar.
Os antigos romanos
chamavam Lúcifer ao planeta Vénus, e é esta a
primeira estrela a avistar-se na alva do novo dia, neste caso, o primeiro dia
do ano novo garantido por Lúcifer ou Vénus, a “estrela
da manhã” que veio a ser personagem central dessa patriótica lenda urbana.
A associação de Vénus com o Sol, pela semelhança das suas trajectórias
diurnas, fez com que os povos antigos, romanos e celtas, considerassem esse
planeta um astro divinizado mensageiro do astro-rei, do Logos Primordial,
intercessor entre este e a Humanidade. Razão para a sua presença lendária no
centro axial de Madrid, nesta Porta do Sol que é o lugar obrigatório de
passagem da cidade para toda Espanha e desta para toda a Madrid, tal qual, nas
antigas teologias, Lúcifer é o trânsito entre o Homem
e Deus e vice-versa, e o esconjuro das trevas da noite.
A importância da Porta do
Sol é tamanha que nela figura a estátua das Armas oficiais de Madrid: um urso
alçado a um medronheiro. Essa estátua prefigura uma história muito peculiar:
segundo alguns historiadores o urso é na realidade uma ursa, e para eles
simboliza a fertilidade a par da lembrança do grande número de ursos que na
Idade Média existia nos campos arredores de Madrid. Quanto ao medronho (simbólico
do acordo de 1222 de repartição do uso e desfrute das terras em redor do burgo
– suas casas, árvores e pastos – havido entre a Igreja e o povo de Madrid),
trata-se de um arbusto que não é autóctone desta região. Sendo o seu
significado para a cidade objecto constante de divergências, o certo é que,
segundo conta a história, durante uma visita aqui de Carlos V no século XVI,
ele foi acometido por febres altíssimas das quais se recuperou graças a umas
infusões de medronho. Este tem um significado simbólico que o torna apoio do
significado do urso:
No simbolismo tradicional
do mundo céltico, o urso é símbolo do poder temporal (facto expresso aqui
marcando Madrid como capital de Espanha), da classe guerreira, esta
representada nos cavaleiros simultaneamente monges, expressando a realização do
seu ideal de perfeição por uma via mais activa que contemplativa como foi
aquela dos Templários modelo da “Cavalaria Iluminada”, e até mesmo dos
lendários “Reis Caçadores Santos” em misteriosas montarias que deram azo a acontecimentos
sobrenaturais onde as feras perseguidas transformavam-se em divindades
reveladas.
Por essa via activa,
implicando a condição andante ou de peregrinação, os cavaleiros ou kshatriyas,
como são consignados na sociedade tradicional hindu, buscavam alcançar a meta
final do seu destino, que era a iluminação interior ou mística, e é aqui que
entra o simbolismo do medronheiro, a quem o urso se apoia na heráldica
madrilena.
Com os bagos do medronho
os antigos fabricavam o hidromel, e é assim que esse arbusto de folhas perenes
representa a morte e a imortalidade. A morte honrosa que o cavaleiro podia
encontrar no campo de batalha e lhe dava acesso à imortalidade. Mas também,
sobretudo, sendo a morte ideal da consciência profana ou velha do guerreiro
para se tornar monge e santo consciente da sua imortalidade espiritual, o que
sempre procurou alcançar em vida. Transposto este sentido para a urbe, não é
Madrid a cristianíssima capital de Espanha?
TÚNEIS SECRETOS DE MADRID
O segredo menos conhecido
de Madrid será certamente a sua rede subterrânea de túneis e passagens formando
vasto labirinto sob a cidade enorme. Muitos desses túneis permanecem
desconhecidos e outros têm vindo a ser descobertos ou por mero acaso ou por
antigas referências históricas, permanecendo ainda outros entaipados para
evitar acidentes graves para quem arrisque adentrá-los sujeitando-se a
perder-se na noite eterna do longo e tortuoso mundo subterrâneo madrileno.
A quantidade destes
subterrâneos é difícil de controlar, pois que a maioria dessas vias debaixo da
terra não está descrita em documento algum que permita saber onde se encontram,
já que normalmente eram saídas ou entradas secretas de nobres, clérigos,
famílias influentes e até ocultistas que, para escapar à repressão eclesiástica,
por esse meio dirigiam-se secretamente para lugares de reuniões que hoje não se
sabe precisar exactamente onde eram, mas certamente passagens secretas entre
edifícios mais ou menos distantes entre si, como aconteceu com muitos tendo
algo a ver com a Casa Real e comunicando muitas vezes com o próprio Palácio.
No mapa dos túneis
secretos de Madrid, aparecem as passagens subterrâneas por onde Afonso XIII se
escapava, a estação do Metro fantasma de Chamberí, os condutos de água nos
quais cabe um nobre escapulindo às escondidas para os braços da sua amante ou
para alguma reunião secreta, as galerias que unem o Retiro com a Atocha, as
covas secretas de Luís Candelas, os atalhos da Inquisição, os bunkeres
abandonados que serviram de refúgio durante a Guerra Civil (1936-1939) e que já
existiam antes dela, os mosteiros e teatros com as suas passagens que
desembocam no Palácio Real.
Há passagens que já não
existem ou se perdeu completamente a memória, outras que a lenda urbana
inoculou, algumas entaipadas por ordem da Casa da Villa, poucas sobrevivem
secretas, e a maioria são território por explorar para os especialistas
aficionados da espeleologia, sem que falta a presença misteriosa dos fantasmas
e deuses que secretos movem-se sob as calles agitadas da metrópole madrilena.
Um dos enigmas
subterrâneos que mais deu que falar é relativamente moderno, data de 1966 e tem
fantasma. Não é uma passagem nem tampouco um túnel, mas sim uma estação
de comboio fantasma: Chamberí. Está debaixo da Plaza Vieja de Chamberí, a
poucos metros da estação da Igreja, na Linha 1, e durante muitos anos se cruzou
espectral e abandonada, nunca parando nenhum comboio aí. Chamberí, desenhada
como quase toda a rede de Metro por Antonio Palacios, foi inaugurada em 1919 e
abandonada em Maio de 1966. Aparentemente, a razão era simples: não permitia a
sua ampliação em 30 metros para caberem mais carruagens em cada comboio. E aí
começa a lenda. A estação foi fechada apressadamente sem se recolher
absolutamente nada (bilheteiras, assentos, cartazes publicitários, etc.) e
aconteceu algo estranho: apesar do abandono, nunca houve aranhas nem ratos e
começaram a aparecer fantasmas. Quando se construiu a estação fantasma de
Chamberí foi construída, os trabalhadores descobriram um enterramento de monges
que ficara oculto quando se derrubou o convento da Merced, e não sabendo que
fazer com as ossadas decidiram enterrá-las num dos andares da estação, e é
precisamente isto que alimenta, junto com o seu abandono, a lenda sobre as
estranhas aparições nesta estação fantasma. Hoje, este é espaço
museológico que se pode visitar.
A partir da estação de
Chamberí e dos seus túneis imediatos corre um antigo complexo de galerias
abobadadas e uma série de estruturas a várias níveis vários quilómetros de
extensão. Foram descobertas há mais de duas décadas com as obras na Plaza
Vieja. As passagens dirigem-se para a Junta Municipal de Chamartín, antigo
palacete frequentado pelas amantes de Fernando VII, e prosseguem até debaixo do
Convento das Servas de Maria, conhecidas popularmente como “las búho”, porque
trabalhavam de noite para cuidar dos enfermos e velhos, gratuitamente por voto
de obediência.
A partir do Convento das
Servas de Maria, o túnel bifurca-se até ao Quartel-General do Exército, no
Palácio de Buenavista, na Praça de Cibeles. Três correntes subterrâneas
confluem aqui, dizendo-se que serão caudais de água sulfurosa formando um lago
mesmo por debaixo da famosa fonte, próxima ao Banco de Espanha cujos alicerces
são em caixa indo até 36 metros de profundidade submersa na água, com um
sistema de abertura estanque para o seu famoso bunker, construído nos anos 30
durante a Guerra Civil.
Há ainda outros acessos
subterrâneos, como as galerias e canalizações de água que, em alguns casos,
existem desde o século XI, quando Madrid era ainda a
árabe Magerit, nome que remete ao “fui edificada sobre água, os
meus muros são de fogo”. Trata-se dos famosos canais de água construídos
possivelmente por técnicos hidráulicos persas chegados com as tropas árabes
durante a conquista muçulmana. Madrid era então rica em riachos subterrâneos e
a sua famosa muralha ainda sobrevive nas caves das casas da Cava Baja, Don
Pedro e Plaza de la Paja.
Esse mesmo itinerário
subterrâneo é muito rico em passagens secretas, possivelmente construídas entre
os séculos XV e XIX. Por exemplo, a que unia o Palácio Real com o Mosteiro da
Encarnação, e foram encontradas mais outras duas com destino ou origem no
palácio desenhado por Sabatini. Uma, com múltiplas bifurcações, leva ao Teatro
Espanhol, construído para ampliar-se o antigo curral do Príncipe sobre os
terrenos que ocupou o Mosteiro de Santa Ana, mandado derrubar por José
Bonaparte. Há quem afirme ter seguido o rastro de portas que estão fechadas há
séculos para passagens, entaipadas nos finais dos anos 70 do século passado,
que ligam com outros mosteiros do Bairro das Letras. Outra, dizendo-se que
possui dimensões para a passagem de carruagens de cavalos, conecta o Palácio
Real com a Plaza de la Paja. Alguns tramos, como se pressupõe, passam debaixo
do Palácio de Anglona, na Calle Segovia a um passo do antigo cenário dos
autos-de-fé inquisitoriais.
Na zona centro tem-se os
túneis da Plaza Mayor, que comunicam com várias zonas de Madrid e que um dos
mais famosos bandidos do Foro, Luis Candelas (1804-1837), utilizava para fugir
depois dos seus ataques e roubos. Era o típico ladrão que roubava aos ricos
para dar aos pobres, levando uma vida dupla com nomes distintos. Evadia-se à
justiça por essas passagens subterrâneas e uma das entradas para elas, que era o
seu antigo esconderijo, encontra-se na Calle Cuchilleros, n.º 1, chamando-se em
honra deste célebre “Zorro” ou “Robin Hood”, de Covas de Luis Candelas.
Todo o centro
histórico de Madrid, com vértices na Puerta del Sol, Puerta Cerrada, Palácio
Real e as Descalzas Reales, comunica-se pelo subsolo. Todos os funcionários
municipais que trabalharam na Plaza de la Villa sabem, por exemplo, que os
edifícios do Ayuntamiento entre Sacramento, Cañete e Mayor, sem ir mais longe,
comunicam-se por debaixo de terra e têm ramais que não se sabe muito bem,
apesar de se suspeitar, onde conduzem.
“Entrar nestas galerias
de modo aventureiro é um perigo absoluto. O próprio poço de acesso carece de
escadas ou elementos para a descida e em toda a rede de túneis falta o
oxigénio”, afirmou Tomás García, inspector-chefe da Unidade de Subsolo da
Polícia Nacional. Uma advertência válida, de qualquer forma, aos mais ousados
exploradores do subsolo labiríntico de Madrid.
A FONTE DE LÚCIFER, O
ANJO CAÍDO
O Monumento ou Fonte
do Anjo Caído encontra-se nos Jardins do Bom Retiro em Madrid e é a
primeira estátua do mundo dedicada a Lúcifer, o Anjo Maldito que
sonegou a Vontade de Deus e ficou condenado por toda a Eternidade.
Esta obra feita em 1877
pelo escultor madrileno Ricardo Bellver (escultura principal) e Francisco
Jareño (pedestal), tem no conjunto as dimensões aproximadas de 10 metros de
largura, 10 de comprimento e 7 de altura, medindo a escultura de Bellver 2,65
metros de altura. A sua criação inspirou-se nas terceira e quarta estrofes do
Canto I de O Paraíso Perdido, de John Milton: “Por seu orgulho cai
arrojado do céu com toda a sua hoste de anjos rebeldes para nunca mais voltar a
ele. Lança em redor o seu olhar, e blasfemo o fixa no empíreo, reflectindo-se
nele a dor mais profunda, a consternação mais grande, a soberba mais funesta e
o ódio mais obstinado”.
Porque Lúcifer o mais
belo e amado dos Anjos por Deus Todo-Poderoso, acabou sendo escorraçado do
Trono Celeste e caído na Terra, deserdado pelo próprio Eterno que enviou o seu
Arcanjo São Miguel liderando as Hostes dos Anjos bons a precipitá-lo e aos
Anjos maus no abismo, no limbo da matéria em que a criatura humana se agita e
evolui através da geração e do pensamento, isto é, pelo sexo e pelo mental?
Precisamente porque Luzbel sonegou a ordem de Deus em criar um ser material, o
próprio Homem, e norteá-lo na sua evolução, o que considerava um acto inferior
indigno da sua elevada e destacada posição divina entre as Hostes de Deus.
Essa é a explicação
teológica do Catolicismo para a Queda de Lúcifer ou Luzbel e os Anjos
revoltados, associando-os ao próprio Diabo origem de todo o Mal, o que não está
de todo correcto mas foi motivo suficiente para toda a Madrid católica se
escandalizar quando a estátua herética do Anjo Caído foi inaugurada,
muito mais ainda quando se sob que a Glorieta do mesmo encontra-se à altitude
topográfica oficial de 666 metros acima do nível do mar em Alicante, facto
absolutamente raro em Madrid, pois a altura média da capital espanhola é de 665
metros sobre a mencionada referência. Como o Apocalipse de São
João afirma que o 666 é o número da Besta, imagine-se agora qual não terá sido
o puritano horror católico…
Mas 666 é o número da
Geração, do Homem na Natureza, que nasce após um ciclo de 9 meses, precisamente
a soma e redução desse algarismo apocalíptico, enquanto a Queda de Luzbel
corresponde à manifestação na Terra do Luzeiro de Vénus, alter-ego desta,
trazendo a Luz do Mental à Humanidade e impulsionando a evolução física desta a
caminho da iluminação espiritual. É aqui que entra o simbolismo da serpente que
enlaça o Anjo Caído da estátua, pois que designa a Sabedoria como
é afirmado pelo Apóstolos Mateus (10:16): “Mansos como a pomba e sábios como a
serpente”.
É Lúcifer ou Prometeu quem
dá a Luz ao Mundo, mesmo estando agrilhoado ou encadeado aos destinos deste nas
rochas (servindo de base à estátua) do Cáucaso ou “cárcere carnal”.
Por tudo isso, Lúcifer (do
latim Lux fero, “portador da Luz” em hebraico, Heilel
Ben-Shachar, “o que Brilha”, em grego, na Septuaginta, Heosphoros,
“o que leva a Luz”) representa a Estrela da Manhã (a Stella
Matutina) e aEstrela da Tarde (a Stella Vespertina),
o planeta Vénus(chamado em hebreu Heilel) que é o
último a desaparecer antes da alva e o primeiro a aparecer no crepúsculo como a
estrela mais luminosa dos céus, sendo também o nome dado ao Anjo Caído da ordem
dos Querubins ou Anjos da Sabedoria, o mais
distinto dentre todos eles, como descreve o texto bíblico do Livro de
Ezequiel em 28:14.
Na tradução bíblica do
Padre António Figueiredo, verteIsaías 14:12: “Como caíste do céu, ó
Lúcifer, tu que ao ponto do dia parecias tão brilhante?”
O substantivo Lúcifer ocorre
seis vezes na Vulgata ou versão latina da Bíblia, sempre para
referir a Estrela da Manhã. Por exemplo, é dito em 2 Pedro 1:19:
“E temos ainda mais firme a palavra profética à qual bem fazeis em estar
atentos, como uma candeia que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça e
a Estrela da Alva(Lúcifer), surja em vossos corações”.
Aqui Lúcifer é Cristo.
Por esta razão, ocorre o nomeLúcifer entre os primeiros cristãos,
por exemplo, São Lúcifer (Lúcifer Calaritano), bispo da
Sardenha, que morreu entre os anos 370 e 371 e a Igreja Católica na Sardenha
celebra todos os 20 de Maio, vindo demonstrar que, pelo menos no século IV, de
maneira alguma Lúciferera o mesmo que Satan (do
hebraico Shai´tan, “Adversário”), vulgarmente chamado o Diabo (caluniador,
acusador), considerado o Senhor do Mal depois associado a Lúcifer, tão-só
por o domínio da Sabedoria deste Senhor, iluminando raros Iniciados na
Sabedoria Divina, trespassar largamente a teologia comum da religião estatal,
passando assim a ver em Lúcifer um adversário temível e a associá-lo ao Mal, o
que levou os povos simples ao esquecimento do seu sentido original.
Ademais, a confusão
entre Lúcifer e Satan não vai mais longe que
a metade do século XIX, quando apareceram movimentos marginais dotados de
espiritualismo duvidoso que se intitulavam indistintamente luciferinos e
satanistas, não compreendendo o que realmente significavam tais nomes mas
semeando de vez a confusão que perdura até hoje.
Melhor que apedrejar por
palavras e actos o Anjo Caído, seria entender o seu sentido último
e supremo: o de Revoltado celeste por ter perdido o estatuto divino para seguir
e perder-se nas pisadas da humana evolução, acabando por levar avante a mesma
até às Alturas sublimes do Trono de Deus.
O DESCONHECIDO DA
CONHECIDA FONTE DE CIBELES
A Fonte de
Cibeles é certamente a mais conhecida de Madrid, assim mesmo a mais
desconhecida no significado dos seus símbolos arrancados à mitologia
greco-romana. Afinal, quem é Cibeles?
Cibeles, Cibele ou Cíbele era
uma deusa originária da Frígia. Designada como Mãe dos Deuses ou Deusa
Mãe, simboliza a fertilidade da Natureza. O seu culto iniciou-se na Ásia
Menor e espalhou-se pela Grécia Antiga sob o títuloPotnia Theron, a
“Senhora dos Animais”. O seu culto chegou a Roma cerca do ano 204 a. C. e foi
assumida a divindade do ciclo da vida-morte-renascimento ligada à ressurreição
do seu filho Átis, um semi-deus pressuposto amante da deusa ligado aos cultos
necroláticos e aos sacrifícios rituais dos taurobólios, isto é, a
execução da celebração sangrenta de touros simbólicos da Natureza fecunda, como
se fosse a “Divindade sacrificada às mãos do Homem”, rito ancestral vulgarizado
nas actuaistouradas.
Segundo os antigos
gregos, esta deusa seria uma encarnação de Ghea ou Mater
Rhea, a Mãe Terra, a Natureza manifestada, e era representada,
frequentemente, com uma coroa de muralhas com leões por perto ou num carro
puxado por esses animais. O seu culto original era uma restrita celebração da
fertilidade, que depois se degradou em algumas manifestações orgíacas.
É assim que Cibeles,
a deusa da Terra, filha do Céu, esposa de Saturno, mãe de Júpiter, de Neptuno (de
quem chegou a haver uma fonte defronte a esta que dá nome à praça, e que
entretanto foi desmontada) e de Plutão, simboliza aEnergia Vital encerrada
na Terra. Ela engendrou os deuses dos quatro elementos naturais (ar, fogo,
água, terra), pelo que é a fonte primordial, ctónica ou subterrânea de toda a
fecundidade.
O seu carro ou velocino solar é puxado por leões, o que significa que
ela domina, ordena e dirige a potência vital. Por vezes aparece coroada de
muralhas (assinalando ogenius loci ou “espírito do lugar”, culto
instituído pelos romanos), ou com uma estrela de sete pontas ou ainda um
crescente lunar, sinais do seu poder sobre a evolução biológica terrestre. O
símbolo lunar também vem a associar Cibeles ao astro nocturno
a quem se liga o urso, patente na heráldica madrilena e que esteve figurado
nesta fonte monumental até 1895, quando a mesma recebeu reformas profundas que
lhe alteraram a feição original obra do arquitecto espanhol Ventura Rodríguez
que realizou o seu projecto entre 1777 e 1782. Segundo a mitologia grega, a
divindade lunar adoptava frequentemente a forma de urso, antes, ursa nas suas
aparições nos ritos ctónicos, hidro-telúricos celebrando a fecundidade da Mãe
Terra graças às sinuosas correntes telúricas desta, o que era representado pela
serpente reproduzida nesta mesma fonte, magnetizando os lençóis de água
subterrânea que tinham na rã o seu símbolo, igualmente reproduzido nesta fonte.
A transformação de Cibeles em
urso ou ursa significa que a deusa é a mãe soberana de todos os poderes
materiais do mundo, é a pedra angular do mesmo, e por isso os romanos
originalmente cultuavam-na sob a forma de uma pedra negra quadrada, que mais
tarde evoluiu para um carro,carré ou quadrado móvel, isto é, com
rodas, vindo a assinalar a própria evolução ou marcha avante da Mãe Terra.
A ver com a pedra negra e
o carro solar (o leão é símbolo do Sol) talvez também tenha a ver a Pedra
Negra Kaaba do Islão e a Merkabah ou “Carro”
da Tradição do Judaísmo, e até mesmo a Pedra Angular nos
templos da Cristandade indicativos de Cristo como assento da Fé.
Na estátua original
madrilena de Cibeles também apareciam grifos de pedra (que tal
como os ursos estão hoje recolhidos e expostos no Museu das Origens).
A presença dessa ave fabulosa, com bico e asas de águia e corpo de leão,
expressa a duplicidade da natureza humana e divina de Cibeles, como
mãe da Terra e filha do Céu. Quando se compara a simbologia própria da águia e
do leão, pode-se dizer que o grifo liga o poder terrestre do leão à energia
celeste da águia. Deste modo, inscreve-se na simbólica geral das forças de
salvação, pelo que igualmente evoca a dupla qualidade divina de Força e
Sabedoria, aliás, expressas nesta fonte pelo ceptro e a chave que Cibeles carrega
em suas mãos.
Era aqui, antes de 1862,
que os aguadeiros galegos e asturianos recolhiam a água de dois canos rústicos
e levavam-na até às casas das pessoas da cidade que alugavam os seus serviços
por não quererem ou não poderem deslocar-se aí. A sua canalização datava da
Idade Média, da época em que Madrid era muçulmana, e ainda hoje jaze sob a
fonte um volumoso lençol de água.
Desde sempre esta Fonte
de Cibeles foi o ex-libris de todo o povo de Madrid,
que ali ia dessedentar-se, e tamanha foi e é a sua fama que originou que a
música lhe dedicasse uma canção: “Agua de la fuentecilla, la mejor que bebe
Madrid…”
A VIRGEM NEGRA DA
ALMUDENA
Padroeira de Madrid,
celebrada a 9 de Novembro, a imagem de Santa Maria a Maior, depois aclamada
Santa Maria a Real da Almudena, tem uma história muito pouco conhecida envolta
em mistérios e lendas que a colocam nos primeiros tempos do Cristianismo
peninsular e que foi da devoção maior dos moçárabes madrilenos sob o domínio
árabe.
Antes do mais, esta
imagem retrata a Senhora da Conceição e é uma Virgem Negra cópia da primitiva
original, que parece ter ardido no incêndio na igreja de Santa Maria durante o
reinado de Filipe II, pois esta actual do gótico tardio é dos finais do século
XVI, ainda que a cabeça da Virgem e as suas mãos, assim como a cabeça do
Menino, possam ser da imagem anterior.
Diz uma lenda
antiquíssima que esta imagem da Mãe Divina foi trazida para Madrid por San
Calocero, um dos doze discípulos do Apóstolo Santiago Maior, no ano 38 da nossa
Era. Depois, no ano 712, com a derrota do rei godo D. Rodrigo na batalha de
Guadalete e a tomada da pequena vila de Madrid pelos árabes chefiados por Múcia
e Tarique, os cristãos madrilenos esconderam a imagem da Virgem dentro dum
buraco na muralha da mudayana ou almudena, que
quer dizer “cidadela”. Em breve esqueceram-se onde a tinham escondido, até que
séculos depois a Virgem apareceu ao cavaleiro cristão El Cid e pediu-lhe que
tomasse a fortaleza de Madrid. Ele assim fez. No momento em que as suas tropas
se aproximavam da almudena, desprendeu-se o fragmento da muralha onde estava a
imagem milagrosa, e foi por aí que puderam entrar e tomar a cidadela para a
Cristandade, corria o ano 1085. Logo o rei Alfonso VI de Castela ordenou que a
imagem da Virgem fosse colocada no altar-mor da igreja de Santa Maria de Almudena,
reconvertida de mesquita em sede cristã, cujo culto os Templários manteriam do
século XII ao início do XIV em Madrid, dando-lhe a fama maior da Padroeira da
mesma.
Porém, lendas aparte, a
verdade é que o culto mariano durante o domínio árabe foi sempre respeitado por
este, por igualmente venerar a Mãe de Deus mas na figura de Fátima, quinta
filha do Profeta Maomé, sem deixar de respeitar Maria como Mãe do Profeta Isa,
isto é, Jesus. É assim que o próprio nome Almudena chega a ser
interpretado por alguns autores, como Vera Tassis, como sinónimo da própria
Virgem, através de um jogo com a palavra: Al = Alma (Virgem,
em hebreu), Mu = Mulher, De = Dei, Na =
Natus (nascido), ou seja, Virgem e Mulher ou Mãe de Deus nascido.
O “Deus nascido” é a
criança divina que nasce sem a intervenção do homem, conforme o mistério
cristão, nesse aspecto coincidindo justamente com outros mitos da Antiguidade
que igualmente representam o nascimento milagroso do herói e do santo.
Sendo a Senhora da
Conceição uma Virgem Negra, no contexto da sociedade rural medieval era uma
deusa agrícola expressiva da Grande Deus Mãe Primordial, cujo culto tinha
honras maiores que ao Deus Filho, por ser Ela a origem da Fé, e assim mesmo da
Natureza fecunda de que dependiam os povos, e neste sentido o termo almudenaencontra
derivação do árabe almudín, “depósito de trigo”, aludindo aos
trigais em volta da cidade de que dependiam os seus habitantes. Dizer-se que
esteve muito tempo escondida numa muralha da almudena, significa que era uma
Deusa Oculta, Negra, o que é representado na Lua aos seus pés como Matriz da
Criação cujas fases regulavam os períodos agrários de semeadura e colheita.
A cor negra da Virgem é a
mesma primordial apontando o Grande Útero da Vida gerada nele e a ele, no final
da existência, a mesma Vida se recolhe. Por isso a Grande Mãe, com o seu
potencial de gestação e geração, possibilita todas as manifestações,
transformações e evoluções da Vida, a qual recolhe a si no final de cada
manifestação, seja ela a de um homem ou a de um mundo. Razão porque personifica
a Magna Dea, a Grande Deusa,Maha-Shakti para o Oriente,
a Força Vital que gera, mantém, anima e unifica, que sendo Ela o Oceano da Vida
conduz aos seres imersos nas suas correntes através dos movimentos das suas
Águas da Vida, donde ser apelidada da Conceição ou Concepção,
sobreposta à Lua crescente que, como astro da noite ou do negro, representativo
doCaos ou Noite Cósmica, o mesmo Pralaya do
Oriente, assiste aos ciclos de vida e morte de todos os seres. O período de existência
destes vem a ser o Cosmos ou Dia Cósmico, Manvantara para
os orientais, marcado pela cor branca e a Lua Cheia, para todos os efeitos,
antecedido pelo negro primordial.
Por essa razão a Virgem
Negra simboliza a Terra Virgem, ainda não fecundada ou povoada, pelo que vem a
valorizar o elemento passivo do estado virginal. O escurecimento das imagens
das Virgens foi enaltecido na Europa ocidental no final da Idade Média, devido
à cor sombria dos ícones orientais da religião bizantina que nessa época exerceu
grande influência na arte religiosa latina.
Outro aspecto a destacar
na Virgem Negra são os seus milagres, em momentos históricos precisos. Tais
milagres têm sempre a ver com a vida e a morte, como o que aconteceu no momento
da reaparição da imagem da Senhora da Almudena, reportando para a
transformação, individualização, libertação e despertar num ciclo novo, marcado
pela passagem da Madrid islâmica à cristã.
Por outro lado, no
período medieval coincidente com a aparição de qualquer Virgem Negra, houve
sempre uma reactivação social, artística e cultural no seio da sociedade pela
aproximação do Ocidente ao Oriente, e assim mesmo uma irrupção do elemento
feminino, não só com o culto mariano mas também de forma idealizada no amor
cortês, apesar das grandes discussões dos teóricos escolásticos sobre a
Natureza, a carne e o pecado, a alma e a virtude, semeando uma improdutiva
disfunção entre o Espírito e a Matéria que chegou aos nossos dias.
Para o Islão, a
virgindade de Deus como Mulher é a Luz inviolada que ilumina os Eleitos; a esse
título, é chamada de “Virgem-Mãe” a hora da vida que é a primeira. Mas
é também a última. É Ela que abre o caminho da Iluminação e leva a termo o
místico caminhar. A Virgem de Luz revela ao Eleito a forma espiritual que nele
é o Novo Homem, tornando-se seu Guia e conduzindo-o em direcção às Alturas,
à Almudena ou Cidade Celeste.
MIRACULOSA SANTA MARIA DE
LA CABEZA
A meio da Ponte de
Toledo, sobre o Rio Manzanares, está num nicho a escultura da miraculosa Santa
Maria de la Cabeza, viúva de Santo Isidro, patrono de Madrid.
A presença aí dessa santa
moçárabe converte simbolicamente a ponte numa passagem entre os Mundo Humano e
Espiritual, o que remete ao termo latinopontifex, “construtor de ponte”,
donde pontífice como intermediário entre dois Mundos, pelo que
deverá sempre estar postado no meio. Esta ponte construída entre 1718 e 1732
pelo arquitecto Pedro de Ribeira, deve a inspiração a antigo episódio lendário
acontecido com a própria Santa Maria e Santo Isidro, o Lavrador:
Em Torrelaguna, onde
conheceu Santo Isidro que estava fugindo da conquista almorávida, Maria sonhava
todas as noites com a Virgem Divina que conseguia cruzar o Rio Jarama
estendendo o seu puríssimo manto sobre as águas. Em memória do ocorrido,
construiu-se depois esta Ponte de Toledo madrilena.
Não fica por aí a relação
miraculosa de Maria Santa Maria de la Cabeza com as águas, expressivas tanto da
Mulher como da Mãe como fonte de vida e reservatório de Saber ocultado,
astrolaticamente assinalada no astro nocturno, a Lua, e fisiologicamente no
ventre feminino. Maria e Isidro tiveram um só filho, e um dos milagres mais
conhecidos deste santo, realizado por pedido da santa, aconteceu quando o
menino caiu num poço muito fundo. Santa Maria rogou ao marido que o salvasse e
nesse instante a água do poço subiu milagrosamente até à borda, trazendo o
menino intacto sobre as suas águas. Este poço encontra-se na que foi a casa de
Iván Vargas, amo de Isidro, actual Museu das Origens, chamado até
2007 Museu de Santo Isidro, um edifício reconstruído modernamente.
Santa
Maria de la Cabeza na Ponte de Toledo
Santa Maria de la Cabeza
chamava-se Maria Toribia, nasceu no século XII em Uceda, Guadalajara, e viveu
em Torrelaguna, na província de Madrid, perto da província de Guadalajara.
Morreu entre 1175 e 1180. Levou uma vida abnegada, piedosa e pródiga no exercício
da caridade, tendo passado vários períodos da sua vida como anacoreta, facto
posteriormente distorcido em ter sido camponesa inculta, o que a sua
proximidade à Ordem dos Templários desmente. Terá postulado nesta juntamente
com o marido e encetado estudos religiosos que a nobilitaram como “cabeça
iluminada” singularmente esclarecida na religião e particularmente no culto à
Mãe de Deus, por quem os Templários nutriam especial devoção.
A Idade Média não foi o
período dum mundo exclusivamente masculino. No século XII a vida conventual
proporcionava uma grande vitalidade intelectual, como o demonstra Hildegarda de
Bilgen, monja estudiosa e mística, ou também a contemplativa Juliana de
Norwich. No âmbito secular o papel das mulheres era, sobretudo, o de esposas
que colaboravam com os seus maridos ou de viúvas que tinham uma existência mais
independente. Esta foi a situação da madrilena universal Santa Maria de la
Cabeza, viúva de Santo Isidro e mãe de Santo Illán.
Com a sua morte, foi
enterrada na ermida visigótica de Santa Maria que ela visitava frequentemente
em vida, situada perto do Rio Jarama, nas proximidades de Torrelaguna, domínio
Templário. Portanto, essa ermida pertencia à Ordem do Templo que foi sua dona
até ao ano 1311. Aí se depositou a cabeça de Santa Maria num relicário, sobre o
altar-mor do oratório. Com a extinção da Ordem do Templo, a cabeça e o corpo da
santa foram trasladados para o convento franciscano de Nossa Senhora da Piedade
de Torrelaguna, e depositados na sacristia numa arca de marfim. Ali estiveram
até serem traslados novamente, desta vez para Madrid em 1645. Do oratório das
Casas Consistoriais passaram, em 1769, ao retábulo da Colegiada de Santo
Isidro, onde actualmente se veneram junto a seu esposo.
De “cabeça iluminada ou
esclarecida”, em breve a crença popular atribuiu à relíquia do crânio de Santa
Maria a fama de eficaz contra as dores de cabeça, e tão grande era a
popularidade da sua eficácia que em 1511 o Cardeal Cisneros renovou o relicário
que guardava o crânio santo, expressivo do lugar mais alto e nobre do corpo
humano reservatório de segredos e saberes.
Todas essas
circunstâncias, examinadas por juízes apostólicos, fizeram com que o Papa
Inocêncio XII confirma-se e aprova-se o culto imemorial dado à serva de Deus,
pela bula Apostolicae servitutis officium de 11 de Agosto de
1697, inscrevendo o seu nome no santoral comoSanta Maria de la Cabeza e
celebrada a 9 de Setembro. Em 15 de Abril de 1752, por decreto de Benedito XIV,
concede-se em sua honra o Ofício e Missa de Santa Maria de la Cabeza. Na bula
de canonização do padroeiro de Madrid,Rationi congruit, o Papa conclui
com a referência à esposa de Santo Isidro:
Hoy
sus restos se veneran en Madrid. Muchos aseguran que hace incontables milagros,
principalmente curaciones repentinas de dolores de cabeza. Todas esas
circunstancias, examinadas por jueces apostólicos, hicieron que Inocencio XII
aprobara su culto inmemorial y que últimamente Benedicto XIV le concediera Misa
y Oficio propio, asignando la fiesta para un día de mayo en Madrid y en toda la
diócesis toledana.
Santa Maria de la Cabeza
constitui o paradigma das mulheres esclarecidas da Idade Média que souberam
unir a Fé e o Saber numa vivência independente e até se sobrepor à sociedade
dos homens que, rendidos, a aclamaram santa.
O SINO MILAGROSO DA
IGREJA DE SAN PEDRO EL VIEJO
A torre mudéjar da igreja
de San Pedro el Viejo, pouco conhecida dos madrilenos, integra o património
insólito da Madrid oculta por causa do seu sino enorme que ninguém soube como
foi posto aí, surgindo então a lenda dos sinos astrais ou
sobrenaturais desta cidade.
Como os cidadãos
madrilenos do século XVI não sabiam explicar como fora um sino tão grande
deposto no alto do campanário, tendo aparecido aí da noite para o dia, os
vizinhos do lugar começaram a falar de uma estranha lenda medieval segundo a
qual os operários que estavam encarregados de elevar o sino ao alto do
campanário, não sabendo como o fazer por ser enorme, deixaram-no no chão e
foram para casa pensar como o poderiam subir.
A surpresa veio quando na
manhã seguinte ouviu-se o repicar de uns sinos, que evidentemente eram os do
campanário da igreja de San Pedro el Viejo. Ninguém sabia explicar como pôde
subir o grande sino ao alto da torre, nem quem ou quais foram os artífices
dessa façanha.
A utilidade que se dava a
esse grande sino era o de fazê-lo tocar para evitar a chuva ou atraí-la. A
população ficava aterrada cada vez que o sino tocava, por causa do grande
estrondo que provocava, exclamando apavorada: “Fujamos, que tocam o sino de San
Pedro”. Isto durou até ao ano 1565, quando o sino se partiu para alívio de boa
parte dos madrilenos. Acabou por ser retirado da torre e o sino que hoje pode
ver-se aí é mais pequeno e data de 1801.
Contudo a tradição do
sino gigante de San Pedro el Viejo não se perdeu e continua a ser mantida aí,
na evocação aoCristo das Chuvas ou Jesus o Pobre cuja
imagem encontra-se dentro da igreja e tem a propriedade miraculosa de atrair a
chuva em tempo de seca ou de afastar as tempestades e tormentas.
A imagem impressionante do Cristo das Chuvas, figura talhada
em corpo inteiro, costuma sair em procissão na Quinta Feira Santa, no período
da Páscoa, e apresenta uma expressão que muda conforme varia o ponto de vista:
de um orgulhoso califa islâmico a um Cristo de uma suave tristeza.
Cristo
das Chuvas ou Jesus o Pobre
Esta igreja de San Pedro
el Viejo, chamando a atenção pela sua pobreza, apesar da sua antiguidade e
história miraculosa, encontra-se no cruzamento das ruas do Núncio e da
Costanilla de San Pedro. É das mais antigas de Madrid, se não a mais antiga,
havendo referências datando-a da Idade Média. Aparece citada no Foral de 1202,
em referência a uma antiga edificação moçárabe existente na actual Praça da
Porta Cerrada. No século XIV, o rei Alfonso XI, em memória da vitória obtida
contra os mouros na batalha de Algeciras em 1345, mandou-a construir sobre a
antiga mesquita árabe, reutilizando o minarete desta para levantar a torre
mudéjar, o principal elemento de interesse.
A formosa torre mourisca
de forma esbelta, toda ela em ladrilho, mostra nas aberturas do campanário uma
linha de dentes cerrados e mais abaixo uma curiosa e bela janela
arábigo-bizantina. Os primitivos Monges-Construtores medievais terão a
construído com dois propósitos interligados: o de atalaia vigiando
os campos em volta e fazendo soar o sino que era enorme para que todos o
ouvissem, quando o inimigo se aproximava, recolhendo-se a população campesina
ao interior do burgo, pois eram os camponeses quem pagavam aos frades por
tangerem o sino alertando-os do perigo, ao mesmo tempo que asseguravam a bênção
da Igreja. Além de atalaia também seria uma espécie de zigurate caldaico,
isto é, um observatório astronómico, facto que, a breve trecho, a população
inculta interpretou atribuindo poderes sobrenaturais ao sino de San Pedro el
Viejo sobre a meteorologia, o que se mantém até hoje na imagem milagrosa
do Cristo das Chuvas, por entretanto o sino gigante ter
desaparecido.
Na torre podem-se
observar também diversos brasões reais, um deles com data anterior ao período
dos Reis Católicos, Fernando e Isabel (século XV). Chama-se aindaSan Pedro
el Viejo por ter sido uma das mais antigas das paróquias de Madrid,
coeva dos árabes como paroquial moçarábica, ou seja, “como que árabe”, o
cristão sujeito aos usos e costumes árabes, menos na religião, e possivelmente
sob o Orago do moçárabe Santo Isidro, Patrono de Madrid, pois só passou
definitivamente a cristã no século XIV.
No século XVII o templo
sofreu uma reconstrução ao gosto da época, de que só se salvaram alguns
elementos da edificação medieval, dentre eles a torre e a nave central, com a
sua cabeceira gótica nervada do século XV. Era inicialmente conhecida
como San Pedro el Real, porém perdeu esta denominação em 1891,
quando deixou de ser paróquia a favor da igreja da Paloma. Esta última igreja
passou então a chamar-se San Pedro el Real e, para evitar confusões,
popularmente se baptizou o edifício da Rua do Núncio como San Pedro el Viejo.
Confusão que, na prática, nunca existiu, já que os madrilenos designam a igreja
da Paloma com este nome e não com a sua denominação oficial.
O SANTO SANGUE DE
PANTALEÃO
Todos os anos milhares de
madrilenos acorrem no dia 26 de Julho à igreja da Encarnação para venerar o
prodígio da liquefacção do sangue de São Pantaleão, e, como é habitual, surge a
mesma incógnita: se produzirá de novo?
Se não acontecer, é sinal
de mau agouro e de próximos acontecimentos funestos para Madrid e até para o
Mundo. Então, cerca dos quatro horas da tarde, com a igreja cheia de gente para
observar o fenómeno, o relicário que supostamente encerra o sangue de São
Pantaleão numa ampola, sofre uma metamorfose inexplicável: durante 48 horas a
substância, que ao longo do ano pode ver-se com uma cor vermelha e
completamente seca, começa a converter-se, pouco a pouco, num líquido de
tonalidade brilhante. Assim permanece até ao dia seguinte, 27 de Julho,
dedicado a São Pantaleão, quando o sangue volta a secar.
As freiras agostinhas recoletas do Real Convento da Encarnação, são quem
anunciam o início do fenómeno e a sua conclusão, para gáudio de toda a Madrid e
do Mundo assim poupados de próximas calamidades, crença propagada pelas mesmas
religiosas que afirmam ser esse milagre “um presente de Deus”.
A hagiografia de
Pantaleão, nome significando “em tudo semelhante ao Leão”, segundo as Actas
dos Santosiniciadas no século XVIII pelo jesuíta belga Jean Bolland, diz
que era filho de Eustorgio e Eucuba e nasceu no século III d. C. em Nicodemia,
a actual cidade de Izmit, na Turquia. Tal como o seu pai, foi um médico mas
também filósofo destacado da nobreza e corte turca. Porém, a sua vida mudou
radicalmente quando se converteu ao Cristianismo professado pela sua mãe.
Depois de ser perseguido e preso, o imperador Galério Maximino condenou-o à
morte. Foi decapitado publicamente em 27 de Julho do ano 305. A tradição
religiosa conta que os cristãos de Nicodemia recolheram o seu sangue com
pequenos algodões e guardaram-nos em ampolas de vidro, que depois foram
distribuídas como meio de propagação do seu culto em Itália, França e Espanha,
sobretudo aqui, em Madrid.
A fama do sangue
miraculoso de São Pantaleão aumentou no Península Ibérica no século XVII,
quando em 1611 Mariana de San José, filha do vice-rei Juan de Zuniga, fundou o
Real Mosteiro da Encarnação trazendo para aqui a relíquia do sangue deste
santo. As suas curas milagrosas e as transformações do estado sólido a líquido
e vice-versa, levaram as autoridades eclesiásticas a intervirem ante o auge dos
sucessos portentosos, e nunca o Santo Ofício conseguiu concluir se a origem
desses acontecimentos sobrenaturais era celestial ou diabólica.
Pantaleão inscreve-se na
linha dos primitivos Iniciados cristãos, detentores da Sabedoria Gnóstica ou
Hermética, nome este provindo daquele deus grego Hermes que
inspiraria dar-se o nome de Hermolao ao sacerdote cristão iniciador de
Pantaleão, o qual também tinha dois discípulos com nomes significativos:
Hermipo e Hermócrates. Todos os quatro foram decapitados, sendo Pantaleão
amarrado a uma oliveira fora da cidade e, antes de ser decapitado, teve tempo
por enrubescer as espadas dos seus algozes. Quando a sua cabeça rolou pelo
chão, o sangue que banhou a oliveira fez que a árvore florescesse e desse
frutos imediatamente. Sendo a oliveira a árvore simbólica da Boa-Nova ou o
Evangelho, e igualmente da Paz, significa esse episódio o florescimento
da Pax Ecclesiaem terras turcas como consequência da evangelização
e martírio de São Pantaleão, o mais heterodoxo pensador do Evangelho do seu
tempo, interpretando o “espírito ou mensagem oculta sob as letras da catequese
vulgar”.
Conta-se que a mãe deste
santo morreu prematuramente, não tendo oportunidade de influir doutrinalmente
sobre o seu filho, o que equivale a falar dum ensinamento latente que não lhe
pôde vir por herança, mas sim pelo ensinamento de um mestre que,
significativamente, recebeu o nome de Hermelao. Este detalhe recorda
precisamente o deus Hermes, encarregado de transmitir magistralmente os
ensinamentos isíacos ou da deusa Ísis, ou seja, da Deusa-Mãe que delegava nele
as funções docentes aos iniciados.
Iniciado era Pantaleão, e
adepto – do Cristianismo já triunfante, quando a sua história se divulgava –
dedicado de corpo e alma a uma sabedoria que se reflectia na taumaturgia dos
seus actos médicos prodigiosos, vencendo primeiro a serpente – guardiã de
conhecimentos secretos – e devolvendo posteriormente a visão a um cego – cego
ignorante, incapaz de ver – que era o seu próprio pai.
Na história hagiográfica
deste santo, também aparece a sucessão de uma série de martírios que Pantaleão
superou com a coragem de um leão, as quais têm a aparência inconfundível de um
processo iniciático superior em que intervêm os quatro elementos naturais (ar,
fogo, água, terra) que ele indiscutivelmente superou. A presença de três Hermes
– ou de Hermes Trismegisto – na sua cela de prisioneiro, vem a
ser como que a iluminação que recebe o sábio depois de haver superado as
difíceis provas a que foi submetido para alcançar o Mestrado. E logo depois
deu-se a consumação do seu martírio, preso a uma oliveira – árvore sagrada no
contexto religioso mediterrâneo – e relevando-se essencialmente glorioso,
fazendo este Mestre com que a sua quintessência da vida que é o sangue, fizesse
florescer a árvore e dar frutos, ou seja, permitindo a renovação da Fé tal qual
o Sangue Real de Jesus Cristo renovou no Calvário a Aliança de Deus com a
Humanidade.
Se a ampola com o sangue
de São Pantaleão reveste-se de características que a integram na tradição
Graálica Ocidental, por meio dos poderes atribuídos ao líquido milagroso que
contém, resulta duplamente significativo comprovar que o lugar de onde procede
a relíquia é também um enclave com características mágicas tradicionais:
trata-se do Vale de Losa, no nordeste da Castela burgalesa,
constituindo o centro desse enclave a igreja românica de São Pantaleão. Em volta
deste centro sagrado surgem outros nomes com evidente significado graálico: um
pouco ao norte está a aldeia de Criales – Griales ou Grial, em
castelhano – e, no limite imediato com Euskadi, a Sierra Salvada,
cujo paralelismo com oMontsalvat do poema Parzival de
Wolfram von Eschenbach (c. 1170 – c. 1220), é absolutamente óbvio.
A origem da história de
Pantaleão surge inteiramente, pois, como uma conjunção dissimulada de elementos
mistéricos e ocultos pelo seu carácter de proibidos pela ortodoxia religiosa da
Igreja. Todos esses elementos, unidos à lenda da vida do santo e à sua
advocação (ele é o padroeiro dos médicos e das crianças enfermas), levam à
conclusão iniludível de que São Pantaleão é um símbolo hagiográfico da Tradição
Iniciática que fundou o Cristianismo Primitivo mas que depois foi passado
convenientemente pelos filtros da ortodoxia eclesiástica, que aceita como
milagre o que configura uma insuspeita mensagem hermética, só conhecida, ao
longo dos séculos, por iniciados que souberam secretamente o verdadeiro
significado deste santo, e que ia muito além do que publicamente era permitido
dizer.
LEON V, REI DE MADRID E
NETO DE FADA
São muito poucos os
madrilenos que estando na Calle de Leon V da Arménia, próxima à Calle Via
Carpetana, sabem da história desse rei fabuloso que um dia fez de Madrid a
capital da Arménia. Como esse episódio esquecido faz parte da história da
Madrid insólita e secreta, torna-se obrigatório que o contemos aqui recuando a
um tempo em que fadas, deuses e cavaleiros conviviam num mesmo espaço mágico.
Leo Levon V
(ocasionalmente, Leon VI, 1342 – 29.11.1393), da Casa de Lusignan, era filho de
João de Lusignan e de Soldane, filha de George V da Geórgia. Foi o último rei
do Reino Arménio da Cilícia, que governou de 1374 a 1375. Este reinado foi
curto porque o seu irmão Constantino V intentou matá-lo e a todos os
pretendentes ao trono arménio, pelo que Leon V fugiu para Chipre escapando ao
assassínio, tendo antes sido feito cavaleiro da Ordem de Cavalaria da Espada,
em 1360, e titular Senescal de Jerusalém, em 17 de Outubro de 1372. Em Chipre
casou com Marguerite de Soissons e foram coroados em Sis em 1374, de acordo com
os ritos latino e arménio. Depois de várias batalhas contra as poderosas forças
mamelucas foi feito prisioneiro no castelo cipriota de Kapan e levado com a sua
família para o Cairo, Egipto, onde ficaria vários anos sob a vigilância do
sultão egípcio, entretanto falecendo a sua mulher no cativeiro, entre 1379 e
4.7.1381.
Foi um padre franciscano
francês, Jean Dardel, que em peregrinação a Jerusalém apercebeu-se da situação
do rei aprisionado e interviu junto de D. João I de Castela e Leão para que ele
fosse libertado. Depois do monarca leonês pagar um rico resgate ao sultão do
Cairo, Leon V foi libertado tendo chegado doente e pobre a Medina del Campo em
1383, numa altura em que o rei de D. João I se encontrava em Badajoz por motivo
da sua boda com a princesa D. Beatriz de Portugal. Ele cumulou o rei arménio de
grandes honrarias e privilegiou-o com a doação do seu domínio madrileno
enquanto ele vivesse, só voltando à Coroa espanhola após a sua morte. Foi assim
que Leon V da Arménia se tornou Leon I de Madrid.
Leon de Lusignan governou
com justiça e equidade o seu reino madrileno, sempre estimado e admirado por
todos. Tendo reconstruído as torres do Real Alcázar e mantido nos seus cargos a
todos quantos possuíam algum, tanto real como municipal, e até absolvendo
previamente de toda a pena os que o desobedeciam, foi realmente um monarca
querido dos madrilenos e de toda a Península Ibérica. De estatura anormal,
quase gigante a rondar os dois metros de altura, as crónicas antigas dizem
dele: “Ele era um benevolente, homem ingénuo sem rancor por ninguém, que tomou
o seu refúgio em Deus e guiou o seu principado em consequência. Foi um
brilhante homem sábio, um hábil cavaleiro, valente de coração na batalha, com a
atenção à caridade divina e humana, enérgico e alegre de rosto”.
Por morte do seu protector D. João I em 1390, Leon de Lusigan deixou
Castela e foi para França, tendo morrido em Paris em 29 de Novembro de 1393,
não sem antes ter tentado conciliar as cortes francesa e inglesa e promover uma
nova Cruzada a fim de recuperar os seus domínios legítimos, o que não
conseguiu. Foi sepultado no Convento dos Celestinos, na capital parisiense, e
mais tarde trasladado para a Basílica Real de Saint-Denis, onde hoje está o seu
túmulo.
Túmulo
de Leon V em Paris
Leon V era neto da
fada Melusine, origem da estirpeLusignan, que casara com um
cavaleiro francês do Poitou, o nobre Remondin, por vezes
interpretado como Roi du Monde, isto é, Rei do Mundo,
por Melusine associar-se simbolicamente, nas lendas corteses
medievais, tanto à bíblica Magdalene quanto à céltica Lusine.
Esta lenda cortês, propagada por Jehan d´Arras cerca de 1382-1394, conta:
Elinas, o rei da Albânia
(um eufemismo poético para a Escócia, a “Terra Branca”), certo dia saiu para
caçar e deparou-se com uma bela dama na floresta. Ela era Presina, mãe de
Melusina. O rei persuadiu-a a casar-se com ele, e ela só concordou sob a condição
– pois há sempre uma condição dura e fatal vinculada a qualquer união entre
fada e mortal – dele não entrar na alcova quando ela desse à luz ou banhasse os
seus filhos. Ele concordou com a interdição. Casaram e Presina deu à luz
trigémeas. Quando ele violou a proibição iniciática, a fada rainha deixou o
reino e foi com as três filhas para a ilha perdida de Avalon, depois associada
à atlante ilha de San Brandon, e mesmo ao reino subterrâneo de Agharta.
As três meninas –
Melusina, Melhor e Palatina (ou Palestina) – cresceram em Avalon. No seu décimo
quinto aniversário, Melusina, a mais velha, perguntou à mãe porque elas haviam
sido levadas para Avalon. Ao ouvir sobre a promessa quebrada pelo pai, Melusina
jurou vingança. Ela e as suas irmãs prenderam Elinas e aprisionaram-no, com as
suas riquezas, no interior subterrâneo de uma montanha. Presina enfureceu-se
quando tomou conhecimento do que as filhas haviam feito, e puniu-as por terem
desrespeitado o pai. Melusina foi condenada a tomar a forma de uma serpente da
cintura para baixo, todo o sábado.
Desterrada para uma
floresta encantada do Poitou, vivendo junto à fonte encantada de Sée, foi assim
que o cavaleiro Raimondin, durante uma caçada ao javali, a encontrou
banhando-se à luz do luar, se apaixonou por ela e logo lhe propôs casamento.
Tal como havia feito sua mãe, Melusina fixou uma condição, a dele nunca dever
entrar no quarto dela aos sábados, que ficava na torre mais alta e afastada do
castelo de Lusignan que depois construíram para sua morada e da sua progénie.
Ele concordou, mas logo quebrou a promessa e viu-a banhando-se nua com a forma
de meia-mulher, meia-serpente. Ela perdoou-o mas nada havia a fazer, e então,
chegando ao parapeito da janela depois de lhe dar dois anéis mágicos, Melusina
com um grito estridente de dor incontida, lançou-se no espaço tomando a forma
de um dragão alado, desaparecendo nos ares para sempre.
A fada Melusina era avó
de Leon de Lusignan, o rei da Arménia e de Madrid, segundo a lenda
nobiliárquica. E não tardou a identificar-se o catalão Mosteiro de Montserrat
como o lugar onde estaria sepultado Remondin, esta a fórmula de expressar a
presença de lugares mágicos herdeiros da Tradição Primordial, pois que em
Portugal, na Serra de Sintra também há Monserrate e a Regaleira com referências
míticas à deusa fada Melusina, cujo descendente foi um dia benévolo rei de
Madrid.
SÃO JOSÉ E OS FANTASMAS
MADRILENOS
A igreja de São José de
Madrid, situada na Rua de Alcalá, 43, é porventura a mais procurada pelos
“caçadores de fantasmas” que dizem infestar a cidade e particularmente este
lugar religioso. Chegam até a apontar locais onde pontualmente os fantasmas
aparecem e são imensas as histórias das aparições fantasmagóricas aqui, em São
José.
A primeira das histórias
que se contam aconteceu no século XIX, pouco depois da expulsão em 1836 das
Carmelitas Descalças de São Hermenegildo que desde 1586 habitavam o convento ao
qual a igreja de São José pertencia, ficando os edifícios vazios e sem uso,
assombrados pela memória dos fantasmas dos antigos moradores, e foi quando
aconteceu o estranho caso seguinte:
Havia um jovem galante
que após cear com a sua família em Nochevieja, foi a um dos vários bailes que
se realizavam nos palácios dos nobres de Madrid. Após passar o tempo vendo o ir
e vir dos convidados, justamente às três da madrugada entrou na sala a rapariga
mais formosa que ele alguma vez vira. Apressou-se a saudá-la e passaram a noite
dançando. Já amanhecia quando a jovem disse-lhe que tinha de voltar a casa.
Caminharam de mãos dadas pelas ruas de Madrid até que chegaram à igreja de São
José. “Eu fico aqui”, disse ela. O galã pensou que estava enganada, porém ao
ver da insistência dela achou que o estava enganando e foi-se aborrecido. No
dia seguinte, ao meio-dia, o jovem voltou a passar diante da igreja e apercebeu
que estava se celebrando um funeral. Curioso, entrou no templo e aproximou-se
do féretro para ver quem morrera. Qual não foi o seu espanto ao ver que no
ataúde estava a jovem com quem havia dançado toda a noite anterior. Quase a
desmaiar com a surpresa, saiu correndo da igreja quando ouviu que alguém o
seguia. Era outra jovem. Perguntou-lhe o que se passava. Quando o galã
contou-lhe o que havia acontecido, ela disse-lhe: “Essa rapariga era minha
prima. Sempre esteve enamorada de ti, porém era demasiado tímida para
acercar-se e dizer-te algo. Ontem, às três da madrugada, morreu…”
Há uma outra versão desta
lenda urbana de verdadeira “Gata Borralheira” sobrenatural que dá os nomes dos
personagens intervenientes: ele chamava-se John e era inglês, e ela chamava-se
Elena de Mendoza, sendo de família nobre espanhola; haviam se encontrado num
baile de máscaras durante as festividades carnavalescas madrilenas, na noite de
12 de Fevereiro de 1853.
Além dessa lenda ponto de
partida para todas as outras que se seguiram, conta-se também que nas
proximidades da igreja de São José igualmente acontecem aparições
sobrenaturais, como na sua vizinha Casa das Sete Chaminés que fala do seu belo
fantasma: uma dama vestida com um vaporoso vestido branco e que resplandece a
ponto de cegar os olhos.
Ambos os edifícios não
estão muito longe da Praça de Cibeles, lugar encantado por excelência, e onde
mais adiante (após deixar para trás os fantasmas sem cabeça da igreja de São
Ginés, da Real Casa dos Correios e do Palácio de Linares, actual Casa da
América) tem-se hoje o Hotel Paris, que um dia foi o hospital da Corte e igreja
do Bom Sucesso em cujo torre do relógio Lúcifer escondeu um capitão francês das
derrotadas tropas napoleónicas, para que pudesse escapar à fúria da multidão.
Esta igreja era a única da cidade em que se dizia missa às duas horas da tarde,
e é este apontamento que servirá para explicar em parte o mistério da aparição
dos fantasmas madrilenos.
São
Miguel, Guardião das Almas, na igreja de São José
Se bem que a paróquia de
São José e a Praça de Cibeles sejam zonas onde fluem três correntes de águas
subterrâneas, onde o telurismo ou energia electromagnética terrestre é mais
intensa e susceptível de provocar fenómenos paranormais por alteração dos
sentidos humanos, facto que o insigne dr. Mário Roso de Luna chamaria
“aparições Jinas” (donde Ginés…) ou sobrenaturais, porventura a
explicação poderá ser mais plausível: a da celebração da Adoração
Nocturna, instituída pelas Confrarias do Santíssimo Sacramento agregadas às
de Santa Maria, e que na noite de 3 de Novembro de 1877 um grupo de sete
católicos distintos iniciou em Madrid, celebrando a sua primeira Vigília na
igreja do hoje extinto Convento dos Capuchinhos do Prado, defronte ao actual
edifício do Congresso de Deputados.
A instituição da Adoração
Nocturna surgiu pouco depois de ser abolido o tenebroso Tribunal do
Sacro Ofício em Espanha (5 de Julho de 1834) e as liberdades intelectuais,
artísticas e religiosas terem se libertado em Madrid deixando à solta os
fantasmas pesarosos do passado. As lendas urbanas das almas do outro mundo
acaso surgirão da estranheza geral de realizar-se vigílias religiosas em horas
mortas onde os corpos repousam e as almas andam à solta.
É por isso que não poucos
madrilenos ainda se assustam com formas espectrais e sons funestos, vindas dos
lados de São José e de Cibeles, levando-os de olhos esbugalhados e encolhidos
debaixo das mantas protectoras da cama, a balbuciar aterrados: Quem
anda aí?…
O TEMÍVEL FAUSTO DO
CEMITÉRIO DE ALMUDENA
Quem visita o cemitério
de Almudena, o maior campo santo da Europa, à entrada vê de imediato a capela
mortuária cuja cúpula é coroada pela estátua de um Anjo, que os madrilenos
chamam de Fausto. Carrega no regaço uma trombeta apocalíptica, tema
principal da lenda fatídica que faz toda a Madrid temer este Fausto.
Esse singular Anjo
apocalíptico tem uma história muito curiosa ligada à própria inauguração do
cemitério de Nossa Senhora de la Almudena, Padroeira de Madrid, que aconteceu
um ano antes (15 de Junho de 1884) do que estava previsto, devido a um surto de
cólera na cidade, decidindo-se habilitar um cemitério provisional chamado das
“epidemias”, dessa data em diante passando a ter o novo nome oficial que
perdura. Porém Fausto só chegou ao seu actual lugar no ano em
que devia ser inaugurado o cemitério. Ele representa o Anjo Anunciador do Juízo
Final, avisando com a sua trombeta a chegada do dia em que mortos volverão à
vida.
Devido à sua condição de
anunciador de tal notícia, Faustoassustava a população de Madrid,
que de imediato começou a contar a história de em certas noites ouvir-se a sua
trombeta, e até alguns aventureiros intrépidos afirmaram ter visto passear um
ou outro defunto por entre as quadras lúgubres do cemitério, depois do Anjo ter
soado a trombeta. Ademais, desgraçado de todo aquele mortal que a ouvisse,
porque era sinal certo de que iria morrer em breve e ficar ali para sempre.
Tamanho era o terror que
infundia a imagem que se decidiu alterar a sua forma original. O Anjo original
também estava sentado, reflectindo o aguardo do Dia do Juízo Final, porém a
trombeta que agora sustém no regaço, tinha-a na mão direita e levantada até à
altura da cabeça. Com essa restauração acreditou-se que o malefício ficava rompido,
mesmo assim continuando a temer-se o Fausto de Almudena.
Não se sabe a data certa da restauração do Anjo, sendo certo que quando
a capela mortuária, estilo modernista, foi construída em 1924 pelo arquitecto
municipal García Nava, o Fausto já aparecia com a forma que
hoje se vê.
O termo latino Fausto dado
ao Anjo Anunciador, significaAuspicioso, e tem um sentido absolutamente
contrário àquele temível que a população lhe dá, por considerá-lo Anjo da
Morte. Ao contrário do catecismo popular, mais fácil de apreender pelas mentes
simples, o Dia do Juízo Final de maneira alguma expressa o “Fim do Mundo” e sim
o “Fim dos Tempos”, ou seja, o final de um ciclo para o início de outro no
esquema da Evolução Universal onde tudo e todos evoluem, e certamente um ciclo
mais amplo em consciência e boa vivência no fausto feliz entre as criaturas.
Portanto, mesmo sendo Anjo da Morte esta é entendida como falecimento de tudo
quanto é velho, podre e gasto pelo renascimento auspicioso de algo novo, humana
e espiritualmente mais perfeito que antes, em todos os sentidos. Esta é a feliz
e suprema mensagem oculta doFausto madrileno.
Se o Anjo apocalíptico é
o Anunciador, quem configura a Consumação do espesso em subtil, da matéria em
espírito é a própria Virgem de Almudena, cujo culto tem origem em
Madrid. O seu nome árabe, Al Mudayna, significa a “cidadela”, sendo
diminutivo de Madina, “cidade”. Em Madrid a Almudena era
a antiga medina muçulmana situada junto à ribeira do Rio
Manzanares na zona onde hoje se encontram o Palácio Real, a Praça do Oriente e
a Catedral.
Há também quem
interprete Almudena como “castelo”, nisto sendo o “Castelo ou
Torre da Fé”, o que reporta ao termo Râbita ou
“Templo-Fortaleza”, como lugar de culto e fortificação espiritual
tradicionalmente centrado numa deusa feminina, preferencialmente a própria
Grande Deusa Mãe, a Mãe Divina que é quem intervém junto do Eterno pela
salvação de todas as almas. Razão da ladainha mariana evocar: “Rogai por nós na
hora da nossa morte”… Também por isso, na língua galaica, Almudena significa
tanto “Luz da Vida” como “o Caminho a seguir” e “todos os caminhos”.
Nisso, todos os caminhos
de Madrid vão dar ao cemitério de Nossa Senhora de Almudena, a cuja entrada
está o Anjo Anunciador da salvação espiritual dos justos e perfeitos graças à
omnipresença da sempiterna e madrilena Mãe de Deus, cujo culto a 9 de Novembro
é uma espécie de juízo sentencial uma semana após a Comemoração dos
Fiéis Defuntos, vulgo, Dia dos Mortos ou Defuntos, quando as
almas purificadas são elevadas a Deus ao som da trombeta de Fausto,
o Anjo do Final.
CEMITÉRIO DE ALMUDENA DO
ESTE – ORIENTE ETERNO DA MAÇONARIA
Ao Este de Madrid
encontra-se o Cemitério de Nossa Senhora da Almudena, que por esta razão também
é conhecido por Cemitério do Este ou Cemitério Civil,
tendo sido criado em 1884 sob o governo da Primeira República com a finalidade
de enterrar a suicidas amancebados, meninos não baptizados, hereges e pessoas
não pertencentes à religião católica.
Neste cemitério abundam
as lápides funerárias com os símbolos característicos das diversas religiões e
ideologias. Passando a entrada principal entra-se na rua central do cemitério
onde do lado direito chamam a atenção os túmulos monumentais de vários maçons
célebres, sendo de destacar os seguintes:
Túmulo de Antonio
Rodríguez García-Vao (Manzanares, Ciudad Real, 1862 – Madrid, 19 de Dezembro de
1886), jornalista, poeta e escritor republicano. Militou na no Grande Oriente
Espanhol, Rito Escocês Antigo e Aceite, e foi apunhalado por um desconhecido na
noite de sábado de 18.12.1886, tendo falecido horas depois. O seu enterro foi
presidido por Nicolás Salmerón, tendo comparecido às exéquias número vultuoso
de maçons, republicanos, intelectuais e artistas da época, e subscrição pública
erigiu-se um mausoléu sobre o seu túmulo, que é o primeiro à direita após
cruzar a porta principal do cemitério. O mausoléu tem formato de obelisco e
ostente na frente a efígie do falecido. O simbolismo do obelisco, na Maçonaria,
corresponde à “pedra pontiaguda” ou “pedra de perfeição” do Mestre Maçom.
Insculpido no túmulo vê-se um triângulo trespassado por um compasso, símbolo do
Grande Arquitecto no Oriente Eterno para onde volveu a alma do falecido maçom.
O túmulo de Nicolás
Salmerón Alonso (Alhama de Almeria, Almeria, 10.4.1838 – Pau, França,
28.9.1908), terceiro Presidente republicano espanhol e conhecido e reconhecido
Mestre Maçom, impressiona pela sua composição distinta: duas colunas adiante
dum triângulo, tudo em pedra reflectindo a ideia das duas principais Colunas à
entrada do Templo de Salomão onde Deus como Unidade e Trindade se manifestava à
assembleia dos fiéis da primitiva Israel. Levantado em 1915, este monumento
fúnebre tem inscrito o seguinte epitáfio elogioso da memória do falecido: “Pela
elevação do seu pensamento, pela rectidão inflexível do seu espírito, pela
nobre dignidade de sua vida, Nicolás Salmerón deu honra e glória ao seu País e
à Humanidade”.
Também não passa
despercebido o túmulo de Ramon Chies, morto em Madrid em 1894, que foi director
dasDominicais do Livre-Pensamento, órgão literário de informação
maçónica e republicana em cujas correntes o autor militou. O cenotáfio
apresenta em cada uma das quatro faces um triângulo invertido, representando a
morte maçónica, e na parte superior os três pontos maçónicos representativos
tanto da Maçonaria Simbólica (Aprendiz – Companheiro – Mestre) como da Divindade
Suprema a quem chamam Grande Arquitecto Do Universo.
Um pouco mais adiante
levanta-se outro túmulo, também de porte imponente, que é o mausoléu dedicado a
Pí y Margall (20.4.1824 – 29.11.1901), Presidente do Poder Executivo da I
República Espanhola e Maçom distinto. Sobre o pórtico de entrada no mausoléu
está a cabeça dum anjo alado que vem a representa a Liberdade e o
Livre-Pensamento, em que o finado autor militou e se bateu nos dias da sua
vida.
Túmulo
maçónico no cemitério de Almudena
Há ainda outros túmulos
de personagens que tiveram uma relação directa com a Maçonaria onde militaram.
Túmulos esquecidos, abandonados mas não menos importantes que os anteriores.
Deles destacam-se os seguintes:
A famosa Coluna Partida
com a inscultura do esquadro e do compasso entralaçados, insígnia universal da
Maçonaria, e por baixo um laço feito na forma chamada “laço de amor”, isto é,
“Amor Partido para o Oriente Eterno” é a mensagem deste túmulo anónimo, talvez
o mais significativo do cemitério.
O túmulo da família Serna
Alonso Saz San Miguel mandado fazer pelo maçom Francisco Sanz que aí repousa,
tem na dianteira o triângulo maçónico onde se lê o epitáfio: “Sonreideme, que
voy a donde estais vosotros, los de siempre”.
Na sepultura discreta de
D. Antonia Rubio, maçona do Rito Feminino, aparecem na pedra de cabeceira o
esquadro e o compasso entrelaçados ladeados por folhas de acácia, planta esta
que no simbolismo maçónico representa a Iniciação e a Imortalidade.
Neste cemitério podem
ainda contemplar-se os mausoléus tumulares de outros políticos, intelectuais e
maçons famosos de Madrid e de toda a Espanha: o de Julián Sanz del Río
(falecido em 1869), o de Fernando de Castro (falecido em 1874), o de Pablo
Iglesias (falecido em 1925) e o de Julián Besteiro (falecido em 1940), dentre
outros impossíveis de enumerar por seu vultuoso número mas que contribuíram
para transformar este almudeno Cemitério do Este num verdadeiro Oriente Eterno
na terra madrilena, posterior em pouco mais de século e meio à aparição em 1728
da primeira Loja maçónica em Espanha, constituída em Madrid por Philippe Duque
de Wharton, ex-Grão Mestre da Grande Loja de Inglaterra.
A MAÇONARIA EM MADRID
A presença histórica da
Maçonaria em Madrid recua a 15 de Fevereiro de 1728, quando o Duque de Wharton,
em companhia de um número reduzido de ingleses, fundou nesta cidade a
Loja French Arms, que só foi reconhecida pela Grande Loja de
Inglaterra em 1729. Teve a sua sede na Calle San Bernardo, e era também chamada
de Las Tres Flores de Lys por causa do hotel francês que lhe
ficava próximo, ficando conhecida pelo sobrenome de Matritense,
tendo cessado as suas actividades antes de 1768.
Em 1772, o oficial de
guerra holandês Wulff, originário da cidade de Gante, ao lado dum outro oficial
de nome Collin, membros dos Guardas Walones de sua Majestade, com outros
súbditos originários dos Países Baixos levantaram colunas ou fundaram uma Loja
em Madrid, por mediação de La Discrète Impériale de Alost,
dentro do Palácio Real. Nenhum deles era espanhol.
Com a chegada das tropas
napoleónicas a Madrid, no princípio do século XIX, a Maçonaria saiu da
discrição em que se achava, forçada pelas circunstâncias. É quando aparece a
chamada Maçonaria Bonapartista e passam a conhecer-se dois
tipos de Lojas: as compostas maioritariamente por franceses, dependentes do
Grande Oriente de França, e as dos espanhóis afrancesados, que abundaram
sobremaneira em Madrid, como a Beneficencia de Josefina, San
José, Napoleón el Grande, Santa Julia ou
a Filadelfos, só para citar as mais relevantes que se reuniram a
fim de instituir-se na Grande Loja Nacional de Espanha. Foi um momento
histórico para a implantação definitiva e expansão da Ordem Maçónica a partir
de Madrid. O próprio rei José foi Grão-Mestre e influiu poderosamente na primeira
etapa expansiva da Maçonaria Bonapartista em território
espanhol.
Com a saída dos franceses
de Espanha e o regresso de Fernando VII, a Inquisição foi reimplantada,
passando a Maçonaria espanhola a ser perseguida duramente. Com o decreto real
de 24 de Maio de 1814 pretendeu-se erradicar todo o tipo de círculos
clandestinos, e em 2 de Janeiro de 1815 Francisco Mier, Inquisidor Geral do
Reino, publicou um édito onde se condenava e proibia taxativamente a Maçonaria,
forçando muitos maçons a procurar o exílio em países amigos. No entanto e
apesar das perseguições implacáveis, durante o Triénio Liberal,
nome por que ficou conhecida a Guerra Civil espanhola de 1822-1823, destacou-se
a acção da Loja madrilena Los Amigos reunidos de la Virtud,
dependente do Grande Oriente de França. Em 1821 havia-se fundado em
Madrid La Sociedad de Caballeros Comuneros, com a intenção de
reformar a Maçonaria espanhola que acusavam de depender excessivamente das
organizações maçónicas estrangeiras. Nesse mesmo ano, criou-se também em Madrid
outra sociedade secreta, Los Carbonarios, integrada pelos liberais
exaltados que acabaram colaborando com Los Comuneros, ainda que
cada uma delas mantivesse os seus próprios ritos.
Há cinco Oficinas maçónicas em Madrid que se destacaram pelo seu grande
vigor e actividade contra a tirania e repressão tanto da Monarquia fernandina
como da República franquista: as Lojas Comuneros de Castilla, La
Razón, Fraternidad Ibérica, e os Capítulos Esperanza eJuan
de Padilla.
Destacadíssimas
personalidades da Política, como Rafael de Riego ou Nicolás de Salmerón, do
Exército, como o general Serrano, da Academia ou da Economia, surgiram na arena
nacional a partir das Lojas. Com a República a Maçonaria alcançou o seu
esplendor, e sob o Franquismo sofreu o ocaso parcial, quando milhares de maçons
foram fuzilados pelo simples facto de o serem, ou só por terem parentes na
Maçonaria.
Em 6 de Novembro de 1982 a Maçonaria é legalizada com o agrupamento de
centenas de maçons em redor da Grande Loja de Espanha, a única Obediência
Regular no País. Actualmente são mais de quatro mil os obreiros da Arte Real
que trabalham nos Orientes de Espanha, estando activas em Madrid as Lojas Hermes
Tolerancia, Concordia IV, Arte Real, Leb y
Amanecer, todas elas dependentes da Grande Loja Simbólica Espanola.
Paralelamente a esta Maçonaria Liberal, em que se inscreve a dita Obediência,
trabalham hoje em Madrid igualmente as Lojas Caballeros del Templo, Luz
Fraterna, Lautaro, Hermes, Matritense,Comenio, Fraternidad
Universal, Phoenix, Hermes Amistad, Emulation, Caballeros
de la Rosa y Maestros Instalados de Castilla, por sua vez integradas na
Grande Loja de Espanha. Isto sem contar com as Oficinas pertencentes a outras
Grandes Lojas minoritárias.
A Maçonaria, como
Sociedade Iniciática e Secreta, além de pautar o combate cultural ao
analfabetismo, à superstição e à tirania, flagelos sociais, afirma-se herdeira
da tradição espiritual e do saber operativo dos antigos monges-construtores das
grandes catedrais românicas e góticas, cuja origem recuará aos Collegia
Fabrorum dos primitivos artífices romanos, o que dispõe a Maçonaria em
três fases históricas distintas:
1.ª) Maçonaria Primitiva
(terminada com os Collegia Fabrorum).
2.ª) Maçonaria Operativa
(terminada em 1523).
3.ª) Maçonaria Especulativa
(iniciada em 1717).
A presença do saber
tradicional da Maçonaria em Madrid revela-se em vários dos seus monumentos, de
que sobressaem os seguintes:
Estátua
de Emilio Castelar (Glorieta
de Emilio Castelar). Três figuras femininas coroam a cúspide e representam a
Sabedoria, a Força e a Beleza, as três grandes virtudes maçónicas. Benlliure,
autor desta estátua, realizou outras obras carregadas de grande simbolismo que
se erigiram em honra de outros maçons ilustres.
A
Capela da Bolsa (restaurante). Antiga
sede da Bolsa de Madrid, que na altura albergou uma Loja maçónica, e hoje é um
conhecido restaurante.
Porta
do Sul (Parque Enrique Tierno Galván).
Estrutura com imensos elementos simbólicos, onde se destaca uma rampa com as
cores tradicionais da Maçonaria, branco e negro, uma grande construção
geométrica calculada para que o primeiro raio de Sol nos Solstícios se projecte
num lugar específico, uma chaminé metálica composta por 5 corpos com 49 metros
de altura em cuja parte superior podem-se observar as iniciais ALGADU (“Al Gran
Arquitecto Del Universo”), separadas pelos três pontos maçónicos clássicos,
além de um tabuleiro semelhante ao empregado para o pavimento das Lojas
maçónicas.
Passeio
das Acácias. Esta flor é considerada
a da Iniciação e Imortalidade na Maçonaria. Diversos alcaides de Madrid
pertencentes à Ordem Maçónica promoveram a plantação de acácias nas ruas
madrilenas, por ser a flor de eleição da própria Maçonaria.
Pasillo
Verde Ferroviário.
Aparece o monumento com os chamados cinco sólidos platónicos numa
praça com escadarias sucedendo-se na sequência de três, cinco e sete degraus,
números que coincidem com as idades simbólicas do Aprendiz, Companheiro e
Mestre da Maçonaria.
Destacam-se também as
fachadas de diversos edifícios que receberam influência maçónica, como a Escola
de Engenheiros ou o Ministério da Agricultura, este tanto
por fora como por dentro, e ainda os frescos no tecto do Salão dos
Actos do Ateneo, centro tradicional de reuniões maçónicas
ao longo da sua existência que abrilhanta toda a Madrid.
SIMBOLOGIA MAÇÓNICA NO
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA
Este edifício onde
actualmente funciona o Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação, foi
traçado em planta rectangular pelo arquitecto Ricardo Velázques Bosco
(1843-1923) e finalizado em 1897, destinando-se a sede do Ministério do
Fomento. São abundantes as referências maçónicas na sua fachada principal que
sugere o portal dum templo grego, e isto não é de estranhar quando se sabe que
o referido arquitecto era maçom e tinha relações privilegiadas com a Grande
Loja Nacional de Espanha.
Dos lados da entrada
apresentam-se duas gigantescas e imponentes Cariátides, nome que os
gregos deram às colunas com a forma de estátuas de mulheres que suportavam na
cabeça todo o peso do entablamento e da cobertura do templo designado de erectéion (“erecção,
eregimento”). Na arquitectura grega eram utilizadas para substituírem às vezes
as colunas de sustentação convencionais, e vinham a ilustrar a harmonia
arquitectónica, aqui a harmonia maçónica como arte
operativa de talhar a pedra e esculpir a madeira, alcançada pela arte grega nos
seus padrões arquitectónicos, transmitindo logo à entrada o espírito da
harmonia reinante no interior do templo.
As Cariátides guardiãs do portal deste Ministério,
representam o Comércio e a Indústria, cujo sentido
ajusta-se perfeitamente à função reguladora socioeconómica do original
Ministério do Fomento. A que representa oComércio apresenta-se com
o maço ou malhete, insígnia do Venerável Mestre e com isso representando a
Autoridade, e com o esquadro, símbolo da Rectidão maçónica. A outra,
representando a Indústria, mostra-se com a roda dentada, símbolo do
Progresso, permeio a espigas de trigo que tanto simbolizam a Abundância como o
trigo ou pão da vida cujas espigas ou “experiências vivenciais” a roda vital
tritura com o fim certo da boa ou má morte de acordo como se viveu. Este
significado justifica-se por um outro objecto que carrega: o caduceu de
Mercúrio, cujas serpentes branca e negra enroladas no mesmo significam a Vida e
a Morte, aquela para a Ciência Superior do Espírito Humano e esta para o
Progresso igualmente Superior do Homem a caminho de uma terceira realidade: a
Imortalidade. Ciência e Progresso, ao nível social imediato, igualmente valem
por uma sociedade culta e progressista.
Acima, na planta
intermédia, está o terraço com oito colunas coríntias aos pares, que dispostas
assim são a representação do Equilíbrio e da Força. Equilíbrio como símbolo da
união entre as duas Colunas do Templo (Jakime Bohaz) simbólicas
do Céu e a Terra, o Sol e a Lua, a Luz e o Fogo, o Criador e a Criação, o que é
sustido pela Força do Grande Arquitecto do Universo ou Deus que assiste a tudo
e a todos.
No simbolismo maçónico,
há três tipos de colunas cujos estilos são identificados pelos maçons tanto às
Três Pessoas da Santíssima Trindade quanto aos 3 Dignitários mais elevados de
uma Loja maçónica, como sejam: Dórico – Pai – Venerável Mestre; Jónica – Mãe –
Primeiro Vigilante; Coríntio – Filho – Segundo Vigilante. A Trindade em
conjunto é representada pelo Triângulo ou Delta Luminoso com o Olho da Divina
Providência no centro.
Finalmente, tem-se o mais
chamativo no topo coroado pelo grupo escultórico A Glória e os Pégasos,
uma alegoria ao Progresso Universal encomendada ao escultor catalão Agustí
Querol i Subirats (Tortosa, 17.5.1860 – Madrid, 14.12.1909), igualmente maçom
de alto grau. Nesse tema,A Glória oferece palmas e lauréis à Arte e
à Ciência. Dos seus lados dois grupos de Pégasos ou cavalos alados
em bronze, guiados pelos Génios da Agricultura e da Indústria(esquerda)
e da Filosofia e das Letras (direita),
rematam tão peculiar fachada.
As três figuras do grupo
escultórico central, são alusões referenciais à Grande Loja Nacional de Espanha
que, no mundo maçónico espanhol, é a única e legitima a poder assumir-se
regular possuidora das 3 Colunas Sapienciais da Maçonaria,
como sejam: Sabedoria, Força e Beleza, incarnadas pelas 3
Luzes Morais da mesma Maçonaria: oLivro da Lei (Bíblia,
Alcorão, Vedas, etc., dependendo do Rito e do País), o Esquadro e
o Compasso. O Livro porta aSabedoria que
é a Glória do Mestre Maçom. O Esquadro é
a Força da Arte do Companheiro Maçom,
transformando-se e transformando a Natureza como a mais digna e elevada das
Artes, e por isso a Maçonaria também é chamada justamente Arte Real.
O Compasso indica a Beleza contida na Ciência que
gradualmente vai aprendendo o Aprendiz Maçom.
Agustí Querol compôs este
conjunto escultórico em 1905 baseando-se em elementos da Mitologia Clássica
greco-romana, sobretudo grega, para reflectir a visão global do Progresso (a
ideia alegórica fundamental), tanto na sua vertente material e social como na
mental e espiritual. O valor três, número caríssimo à Maçonaria, está presente
no conjunto inteiro que se reparte em três partes, por sua vez em grupos de
três figuras alegóricas cada um, cuja união cria um significado particular.
Tomando como referência
as posições dos ditos grupos coroando o edifício do Ministério, o que está à
esquerda deA Glória representa o Progresso material,
socioeconómico. Uma figura feminina (a Agricultura) porta um arado
na mão direita enquanto com a outra segura as rédeas do Pégaso (símbolo da
velocidade ou rapidez em progredir) apoiado sobre as patas traseiras prestes a
alçar voo. Nele está montada uma figura masculina (a Indústria) que
estende o seu braço esquerdo exibindo um caduceu (atributo próprio do deus
grego Hermes como o mesmo Mercúrio, o deus romano associado ao Comércio). Sob o
cavalo alado vê-se um molhe de espigas de trigo e duas rodas dentadas, sendo as
alusões respectivas da Agricultura e da Indústria.
No outro extremo e
seguindo uma estrutura análoga à anterior, encontra-se a alegoria do Progresso
espiritual, intelectual e literário. Também aqui é uma figura feminina
(as Letras) a que está de pé junto a Pégaso (que também é símbolo
da Poesia e da Inspiração mental) pelo lado exterior. Na sua mão sustém uma
lira, objecto representativo da Poesia e do Canto. Sobre o cavalo que se
apresenta numa postura semelhante ao do lado oposto, uma figura masculina
(a Filosofia) alça o braço direito empunhando um ramo de louros,
planta sagrada e solar do mesmo deus solar Apolo, a tradicional divindade da
Sabedoria e da Luz ou Iluminação.
O terceiro grupo central
já referido, é A Glória situada entre os dois Pégasos
laterais. As três figuras que o integram são todas femininas, e isto vai bem
com o significado cabalístico de Glória, que é um dos títulos dados
à Grande Deusa Mãe a quem os judeus cabalistas chamam Shekinah e
os cristãos identificam à Pessoa doDivino Espírito Santo. A figura
central é a que dá o nome a todo o escultórico, adoptando a forma arquetípica
daVitória Alada, pois outorga os símbolos do triunfo às duas alegorias
que a ladeiam: a Arte (direita) e a Ciência(esquerda).
Os ditos símbolos são uma coroa de louros e um ramo de palma, que se entregavam
aos vencedores dos Jogos Píticos de Delfos, na Grécia Antiga, em honra de
Apolo. A Arte leva uma paleta de pintor na mão esquerda
(alusão à Pintura) ao mesmo tempo que apoia o braço sobre um capitel coríntio
(representação da Arquitectura), mostrando na mão direita uma estatueta
(Escultura). ACiência carrega na mão direita uma tocha acesa
(emblema da luz do Conhecimento) e está apoiada num Globo Terrestre.
Agustí Querol parece ter
recorrido às sete artes liberais, chamadas trivium e quadrivium,
que marcaram a Idade Média e a Renascença, para a composição deste seu conjunto
monumental no topo do Ministério, pois nele se apresenta a aritmética, a
geometria e a harmonia das formas (trivium), vistas como teoria do
número e aplicação da teoria do número, teoria da forma e aplicação da teoria
da forma ao espaço (quadrivium).
AS ESCULTURAS MAÇÓNICAS
DE MANUEL AYLLÓN
Como é sabido, o Pasillo
Verde Ferroviário de Madrid foi construído entre 1989 e 1996. Ao longo dele,
assim como nas praças e intersecções das ruas, aparecem vários símbolos
esculturais idealizados pelo arquitecto e maçom Manuel Ayllón (Madrid, 1952)
que relacionam a Arquitectura à Maçonaria.
Esses símbolos
esculturais foram três obeliscos Lau-Deo, “Louvor a Deus”, situados
no Parque de Santa Maria la Real de Nieva, na Praça de Ortega y Munilla e no
cruzamento da Rua do Ferrocarril com o Passeio das Delícias. Foram realizados
com aço oxidável, daí o seu aspecto oxidado. Parece terem sido dispostos de
maneira estratégica na planta da cidade para configurarem um triângulo entre
si, simbólico da Santíssima Trindade cuja Sabedoria, Força e Beleza é evocada
na Terra pelo próprio obelisco, que na Maçonaria representa o Grande Oriente
Eterno e assim mesmo o Sol Espiritual, razão porque era motivo de culto pelos
povos antigos, particularmente pelos egípcios vendo nele o elo ligação com o
Deus Sol a quem chamavam Per-Amen-Ra e assim o louvavam.
Outros símbolos
esculturais foram cinco esculturas que representam os cinco sólidos
platónicos ou os cinco elementos naturais que presidiram à Criação do
Universo, segundo a antiga Filosofia Tradicional: hexaedro,
associado pelos antigos platónicos e neoplatónicos ao Sol fixado no solo ou
elemento Terra, estando esta escultura na Praça de Francisco Morano; icosaedro,
relacionado à Lua e ao elemento Água, e que está no Parque das Peñuelas;tetraedro,
em vibração simpática com Marte e o elemento Fogo, escultura que está na Praça
de Ortega y Munilla;octaedro, em afinidade com Saturno e o Ar, estando a
sua escultura na Praça de Santa Maria de la Cabeza; finalmente o dodecaedro,
em empatia vibratória com Vénus e o elemento Éter, a quintessência da Natureza,
postado no Passeio dos Melancólicos no cruzamento de Santa Maria la Real de
Nueva e Jemenuño.
A relação dos cinco
sólidos platónicos com os cinco elementos naturais –
que a tradição hindu chama Tatvascom os respectivos nomes de Pritivi, Apas, Tejas, Vayu eAkasha –
é estabelecida através do significado que os antigos filósofos e hermetistas
davam aos contornos das figuras. Com efeito, os seis lados do hexaedro figurando
ocubo, acabou representando a própria Terra, o elemento mais denso. As
vinte faces do icosaedro marcado por esse número binário ou
feminino, vieram a prefigurar o elemento Água, que desde Platão até ao início
da Idade Moderna foi considerado como matriz de todos os metais, por estes se
tornarem líquidos ao serem aquecidos. Ao tetraedro com quatro
faces, a forma mais simples e “pura”, foi-lhe atribuído o elemento purificador
por excelência, o Fogo. Às oito faces do octaedro, o Ar, por ser
uma “oitava coisa” geradora de Vida, pois não se vive sem ar. Por fim, ododecaedro com
doze faces, inicialmente associado a um quinto elemento, o Éter, que os antigos
chamavam o “Todo”.
Há duas formas de Éter
presente no Ar (éter e névoa), três formas de Fogo (luz, chama e brasa), duas
de Água (líquido e sólida, gelada) e uma de Terra. Como o icosaedro,
otetraedro e o octaedro têm todos faces
triangulares, as partículas de fogo podem transformar-se em água e ar, e
vice-versa, por recombinação das faces (mas a terra, de faces quadradas, e o
quinto elemento, são imunes à transformação noutros elementos, antes servem de
vasos e matriz aos mesmos).
Em termos da teoria dos
elementos naturais, a característica de Platão está principalmente na forma
como ele os hierarquiza. Se para Empédocles eles eram iguais em valor, agora
formam uma escala que vai do instinto grosseiro ao espírito puro. Essa escala
de quatro e cinco graus repete-se em tudo: elementos, indivíduos, formas de
conhecimento, deuses, etc.
Também
chamados sólidos perfeitos, estes elementos platónicos são
interpretados na filosofia maçónica como etapas iniciáticas destinadas a
transformar o profano num Iniciado, o Aprendiz maçom num perfeito Mestre maçom,
o que equivale a “sair da Treva para a Luz”, tal qual o Cosmo saiu do Caos, o
Dia da Noite, e, neste particular de Madrid, parece que o escultor destas peças
quis deixar o subentendido da própria cidade ter sido criada a partir destes
cinco elementos universais, matriz de tudo e de todos.
Também da autoria de
Manuel Ayllón, havia uma sucessão de colunas salomónicas que assinalavam os
pontos quilométricos do Pasillo Verde Ferroviário, debaixo do qual passam os
comboios. Inicialmente pensou-se fazê-las em mármore verde, porém, dado o seu
custo elevado foram feitas em pedra artificial. Todas elas foram destruídas por
actos de vandalismo e os seus restos levados para os armazéns municipais.
Achavam-se no Parque de Atenas, no Passeio dos Melancólicos, na Praça de
Francisco Moreno e nos cruzamentos da Rua Doutor Vallejo Nájera com as de
Toledo, Arganda e Peñuelas.
Além de estarem postadas
a guisa de assinalar uma ou várias linhas telúricas da rede geovital que mantém
a vida urbana de Madrid, e que são representadas tradicionalmente pela cor
verde, as colunas salomónicas retorcidas indicam essas duas tradicionais de
bronze que estavam no portal de entrada no antigo Templo de Salomão, com os
nomes hebraicos de Jakin e Bohaz, com os
respectivos significados de “ele estabelecerá” e “na força”. As duas palavras
reunidas significam: Deus estabelecerá na força, solidamente, o templo e a
religião de que Ele é o centro.
Tradicionalmente, a
coluna Jakin estava à direita do portal do Templo e
simbolizava o Sol, sendo a sua cor negra ou vermelha, enquanto a coluna Bohaz postava-se
à esquerda e indicava a Lua, sendo a sua cor tradicional branca ou verde. Na
tradição hindu, Jakin e Bohaz aparecem comoJnana e Bhakti,
ou seja, “Sabedoria” e “Amor” ou Devoção. Portanto, o Amor-Sabedoria que
caracteriza os Grandes Iluminados, no Oriente chamados Bhante-Jauls,
“Irmãos de Pureza”, não raro aparecendo nos seus nomes essas duas iniciais J.
B., como, por exemplo, João Baptista, ou então Jesus Cristo nascendo e morrendo
em dois lugares portadores das mesmas iniciais: Belém e Jerusalém.
As colunas tradicionais
assinalam os limites do Mundo criado, os limites do mundo profano ou “fora do
Templo” e do mundo sagrado ou “dentro do Templo, de que a Vida e a Morte são a
antinomia extrema que tende para um equilíbrio final após o atrito ou conflito
existencial que marca a vida de todos os seres vivos. Uma coluna não existe sem
a outra, tal qual o calor sem o frio, a luz sem as trevas, etc., o que indica a
acção das forças construtivas da Natureza em paralelo com as destrutivas, num
perpétuoconstruens et destruens, ou seja, transformar as formas velhas e
gastas em novas e mais perfeitas. Isto se vê em todo o ser vivo, constantemente
num estado de equilíbrio instável, formado pela criação de células novas e a
eliminação de células mortas. Igualmente, no plano social, as novas gerações
não podem afirmar-se senão à medida que as antigas lhes cedem lugar.
Por esse sentido de
trânsito dado às colunas, o escultor madrileno das mesmas teve a feliz intuição
de postá-las junto à linha ferroviária, que é por onde transitam os comboios
levando as pessoas de um para outro destinos, em transição permanente, tal qual
o significado último desses pilares salomónicos.
ATENEO – CULTURA E
ESOTERISMO
O Ateneo
Científico, Literário e Artístico de Madrid é uma sociedade cultural
privada inaugurada em 1884 por Antonio Cánovas del Castillo com o fim de
estabelecer um movimento liberal em Espanha e assim defender a liberdade de pensamento
e de expressão.
Essas pretensões estavam
de acordo com a ideologia da Teosofia e da Maçonaria a quem pertencia a maioria
do grupo fundador do Ateneo, tendo deixado provas dessa sua filiação um pouco
por todo este edifício que, mesmo não sendo maçónico e igualmente o Ateneo,
albergou distintos maçons que contribuíram para a História de Espanha, e
particularmente de Madrid.
Até à Guerra Civil
(1936-1939) o Ateneo exibia nas suas paredes quadros e pinturas com alegorias e
símbolos alusivas à Teosofia e à Maçonaria, cuja maior parte foi eliminada após
a Guerra devido à aversão do regime franquista por tudo quanto se relacionasse
com aquelas. Mas outras foram poupadas após devidamente camufladas, como provam
os trabalhos de restauração no edifício que vêm trazendo à luz várias dessas
alegorias e símbolos, especialmente na zona da Galeria de Retratos,
destacando-se a singular pintura que mostra a paleta de pintor com os
instrumentos maçónicos do esquadro e maço.
Camufladas são também as
portas secretas no edifício que à primeira vista iludem por parecerem parte da
decoração, mas que levam a corredores secretos desembocando nos pontos mais
imprevisíveis do Ateneo, que por isso é considerado “Casa Mistério” e
“Labirinto dos Sábios” (Ateneístas), o que está assinalado na estátua da Vitóriajunto
à escadaria que leva ao piso superior do edifício, obra de Agustín Querol
apresentando o deus Mercúrio ou Hermes tendo na mão esquerda uma espada
quebrada (significando a razão mental impondo-se à coação física) e na direita
erguendo vitoriosa deusa Minerva ou Atena(donde Ateneo),
padroeira da Sabedoria.
Os motivos herméticos
repetem-se na pintura enorme do tecto do Salão dos Actos, onde se vê Hermes e
Afrodite, simbólicos do Saber e da Moral, ladeando um Santo aureolado que
poderá ser a fusão de ambos como Andrógino Perfeito. À volta desses
personagens, vêem-se doze pinturas fechadas em círculo alegóricas tanto dos
doze trabalhos de Hércules como dos doze signos do Zodíaco. No conjunto a
pintura é muito perfeita e harmónicas nas cores e traços, assinalando com
grande raridade e perfeição a união da doutrina teosófica com a simbologia
maçónica.
Menos sorte teve a estrela de cinco pontas maçónica da mesa onde se
celebravam os actos mais relevantes, as da escadaria, as da lâmpada mais
significativa do edifício e as de outras menores que reproduziam em sua forma
ogival ao logótipo do Ateneo, tendo sido destruídas durante os anos sessenta,
como denunciou o diário ABC.
Além das pinturas de
Mélida e de Karel Petrus Cornelius de Bazel (1869-1923), maçom e membro da
Sociedade Teosófica Holandesa, no Salão dos Actos e no Salão Inglês, os
próprios respaldares das cadeiras desta instituição, com estrelas de cinco
pontas, recordam a filiação maçónica dos seus fundadores originais. Já a
fachada do edifício apresentava a lâmpada da Sabedoria e as estrelas que
posteriormente foram retalhadas para convertê-las em flores.
A sede desta Douta
Casa madrilena no número 21 da Calle del Prado, obra dos arquitectos
Enrique Fort e Luis Landecho, por sua relação estreita àquelas Sociedades
Esotéricas e Iniciáticas, deu-lhe o sobrenome de Ateneo Teosófico (e
Maçónico) de Madrid, sobretudo graças à acção profícua do grande polígrafo
e teósofo dr. Mário Roso de Luna, sócio destacado do Ateneo, e de Manuel Azaña,
maçom e político que foi Presidente da II República Espanhola.
A instituição contou
também com um destacado círculo de teósofos dos quais alguns eram igualmente
maçons de tendências progressistas, como Augusto Barcia, Prat, Fernando de los
Ríos, Viriato Díaz-Pérez, Tomás Doreste ou o pintor Rafael Monleón Moret, que
realizou, precisamente, algumas das pinturas que decoram o interior do
edifício. Figura também o famoso maçom Doutor Simorra, médico alienista, de
quem diziam que dava alta aos seus pacientes para ingressá-los no Ateneo, rumor
que originou um sem fim de histórias curiosas e coloridas sobre a fauna
ateneísta. Nesta figurava o teósofo e bibliotecário Rafael Urbano, especialista
no Demónio, a quem Cansinos na memorável Novela de un literato descreve
como “minúsculo, cetrino como um índio, com traza de fakir”, cujo velório se
celebrou no Ateneo.
Hoje, o Ateneo é cenário
habitual de reuniões, conferências e apresentações organizadas por distintas
Lojas maçónicas, conservando o seu ar particular evocativo dos tempos em que os
símbolos maçónicos e teosóficos saltavam claramente à vista.
O maior tesouro do Ateneo
é a sua biblioteca. Conta, sobretudo, com obras do século XIX e princípios do
século XX sobre todo o tipo de temas e em vários idiomas. Para entrar é preciso
ser membro do Ateneo. Em casos especiais, pode conseguir-se um passe para um ou
três dias.
O TEMPLO INICIÁTICO DE
DEBOD
O Templo de Debod integra
o conjunto monumental da Madrid insólita. Veio directamente do Egipto para
Espanha, desmontado e remontado aqui, sendo inaugurado em 20 de Julho de 1972.
Com efeito, aquando da
construção da barragem de Assuan, Egipto, e para salvar os templos da Núbia
ameaçados de ficar submersos nas águas, em 1960 instituiu-se em Espanha o Comité
Espanhol dirigido pelo professor e arqueólogo Martín Almagro Basch,
que se encarregou de proceder à salvação, desmontagem e transladação para a
ilha de Elefantina, junto a Assuan, do Templo de Debod. Em 1960 o Governo
egípcio ofereceu ao Governo espanhol esse monumento, mas tendo os blocos de
pedras ficado ainda em Elefantina até Abril de 1970, quando viajaram novamente,
dessa feita rumo a Alexandria. No dia 6 de Junho desse ano, as caixas embaladas
com os blocos foram embarcadas no navioBenisa e chegaram ao porto
de Valência no dia 18 do mesmo mês, e daí foram transportadas em camiões até
Madrid, onde ficaram armazenadas no edifício do Quartel da Montanha, donde
depois foram trazidas para o Parque do Oeste onde hoje está.
O Templo de Debod possui
sinalética arquitectónica e ilustrativa ou plástica que o integra na Tradição
Iniciática ou Espiritual do Ocidente, facto que a Maçonaria espanhola
reconheceu desde o primeiro momento identificando, por exemplo, as suas
pinturas onde se vêem deuses e faraós dando as mãos como sendo a “cadeia de
união”, rito que os maçons herdaram e representa a Fraternidade Maçónica, ou o
espírito de entreajuda dos maçons. As colunas do Templo, dois pares, são
igualmente associadas ao simbolismo da Força e do Equilíbrio como propõe a Grande
Loja de Espanha. Igualmente correlaciona o Olho Alado do Deus Horus que está no
santuário deste Templo, ao Olho da Divina Providência do Grande Arquitecto do
Universo, e assim também os três corpos do imóvel aos 3 Graus Simbólicos da
Maçonaria: Mestre, Companheiro, Aprendiz.
Tudo isso também porque a
Maçonaria considera como a sua origem histórica o próprio Egipto ante e pós
Dilúvio Universal, dando como data da sua fundação o ano 1370 a. C. quando o
Faraó Amenophis IV ou Kunaton, juntamente com a Rainha Nepher-Tit, e os seus
dois Ministros ou Colunas Vivas, Mirtaba e Morira, fundaram o culto solar ao
Deus Amon-Ra, que tem o nome genérico, em termos actuais, de Rosacruz
dos Andróginos (o mesmo casal solar ou iluminado), dizendo a Tradição
Iniciática que foi fundada no interior da Grande Pirâmide de Keophs, no Vale
dos Reis, onde houve a grande cidade de Heliopólis.
Por isso a Maçonaria considera o Antigo Egipto como Berço da Tradição
Iniciática do Ocidente e considera muito bem instalado este Templo egípcio no
lugar onde está: o supradito Parque do Oeste. Além disso, reforça o facto o
etimólogo Maçonaria ter significado luminoso ou solar quando
se o decompõe em Maha-Sun, “Grande Luz”. Também é facto que este
Templo egípcio em Madrid vindo de Debod, pequena meseta da Baixa Núbia situada
na margem oeste do Rio Nilo, mandado erigir no início do Século II a. C. pelo
faraó Ptolomeu IV Filopator e depois mandado decorar pelo rei núbio Adijalamani
de Meroe cerca de 200-180 a. C., era consagrado à Deusa Lunar Ísis, e ao Deus
Solar Amon-Ra, igualmente identificado a Osíris, ou seja na Trindade Egípcia, a
Mãe (Ísis) e o Pai (Osíris), os quais eram representados na Terra por Kunaton e
Nepher-Tit. Horus (o Filho) também era cultuado neste Templo, possivelmente
incarnado na figura divinizada de Im-Hotep que ocupa um lugar destacado no
acesso ao santuário e cujas salmodias inscritas nas paredes são dirigidas a
ele, tal qual ainda se vê nesta se reconstrução em Madrid.
Im-Hotep , o célebre arquitecto e médico de capacidades taumatúrgicas que viveu durante a III Dinastia do Egipto (até 2667-2684 a.C.), sendo até associado ao deus Thot que era o da Sabedoria, durante a época greco-romana foi identificado ao deus grego da Medicina, Asclépios. Neste Templo de Debod pode-se vê-lo hoje no registo inferior da parede norte na parte central do Templo, estando atrás do deus Thot no acto de purificar com a água vertida de uma vasilha kebeh o oficiante (faraó ou sacerdote) que entra no santuário, o que é comprovado pela inscrição anexa em hieróglifos egípcios:
“O sacerdote ritualista chefe, o escriba real, Im-Hotep, o grande. Palavras ditas por Thot, dando a volta a da uma das Duas Terras [Alto e Baixo Egipto]: Ele é quem vem àquele que o chama em todos os lugares.”
Os vários indícios presentes sugerem que neste Templo além das práticas ritualísticas teria havido as escolásticas ou de ensinamentos relativos àquelas, e isso se destinaria a elites ou eleitos naturalmente vocacionados para a vida espiritual. No Templo egípcio o povo só tinha acesso a determinadas partes do mesmo, ficando interdito o acesso ao santuário exclusivo dos sacerdotes.
O santuário era a expressão simbólica do Cosmos vivo, uma espécie de imago mundi destinada a reproduzir o momento criador do primeiro dia e a proporcionar, pela celebração dos ritos prescritos, a permanência e a renovação da criação original da vida, dos deuses, dos homens e de tudo quanto existe no Céu e na Terra. Por tais motivos a edificação dum templo egípcio nunca tinha o acabamento final, era com o Universo vivente objecto de uma constante ampliação, reedificação e modificação, que acrescentava constantemente ao núcleo central novas contingências, corredores, escadas e passagens numa espécie de ampliação e renovação semelhante à que experimentava o Mundo vivo que era a sua primeira referência.
O templo egípcio também era, naturalmente, o lugar onde residia a Divindade. Por esta razão, no seu interior havia todo o necessário para que o seu santuário fosse o lugar habitado pela manifestação do Princípio Divino que regia o Mundo e garantia com a sua presença permanente a ordem do Cosmos.
Por essa razão, em 1991 os investigadores deste Templo de Debod consideraram a possibilidade do seu santuário ter sido um mammisi, palavra de origem copta significando “lugar de nascimento”. É alusão ao lugar onde a Deusa Ísis venerada no Templo dava à luz, celebrando-se no dito santuário o “mistério do nascimento divino” do seu Filho Horus, simbolizado pelo Sol Levante a Oriente.
O Templo de Debod em Madrid está cercado um lago artificial, e também nisto os seus artífices madrilenos foram felizes. Com efeito, todos os templos egípcios incluíam, dentro dos seus recintos, uma alberca ou lago sagrado, normalmente alimentado pelas águas de infiltração do rio Nilo através das camadas freáticas. Este lago representava a existência das águas primordiais antes da Criação do Mundo e nele realizavam-se, além das abluções ou purificações rituais pelos sacerdotes, diversas cerimónias relacionadas com festas religiosas marcadas no calendário litúrgico dos antigos egípcios, uma delas a chamada Festa da Vitória, em referência à vitória do DeusHorus Vingador de seu Pai (Horendotes) sobre o Deus do Mal, Seth, que havia assassinado e esquartejado em 14 pedaços (que Ísis recolheu pacientemente) o Deus do Bem, Osíris.
O Templo de Debod é o maior do mundo que existe fora do Egipto, e o ser declarado “Bem de Interesse Cultural”, em Abril de 2008, alenta novas esperanças no tocante à sua conservação, esta que se tem mostrado débil e frágil ante a inclemência do tempo e dos homens.
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