Por Thiago Oliveira
A Bíblia gera muitos questionamentos e controvérsias. Muitos sempre perguntam
se ela é mesmo a Palavra de Deus e argumentam que por ter sido escrita por
homens, pode ter sido alterada ao longo da História. Mas então, a Bíblia é de
fato a Palavra de Deus? Podemos confiar nela? Não seria ela uma obra possuidora
de muitos erros? Para chegarmos a uma resposta satisfatória, devemos analisar
três correntes teológicas: Liberalismo, Neo-Ortodoxia e Teologia Reformada.
O Liberalismo
Teológico tem ligação com o método histórico-crítico de interpretação bíblica.
Este método nega a inspiração divina e reduz as Escrituras a um compêndio da fé
israelita e dos primeiros cristãos, recheado de erros e contradições.
Influenciado pelo Iluminismo, o Liberalismo adquiriu um caráter antropocêntrico
e relativizou questões-chaves da dogmática. Schleiermacher foi o grande
expoente dessa corrente que se afastou a passos largos do ensino ortodoxo e fez
com que a Igreja europeia abraçasse o mundanismo e declinasse para o
Cristianismo secularizado que até hoje é uma de suas marcas.
Todavia, com o
advento da Primeira Guerra Mundial, todo o ideal progressista-iluminista foi
por água abaixo. As correntes de pensamento entram em crise e a Teologia não
foge à regra. É justamente neste cenário que surge Karl Barth com o que
chamamos de Neo-Ortodoxia ou Barthianismo. A Neo-Ortodoxia lutou contra a
secularização da Igreja e defendeu que a Bíblia é a palavra de Deus revelada
aos homens.
O grande problema da
corrente Neo-Ortodoxa é que ela conservou a crítica bíblia do Liberalismo, a
mesma que reduziu as Escrituras a um livro de fé comum. A diferença é que os
barthianos afirmam que mesmo contendo erros, a Bíblia é a Voz de Deus para a
humanidade. Para sustentar essa posição, argumentam que a parte histórica é
irrelevante para a fé salvífica, sendo assim, pouco importa a veracidade dos
relatos bíblicos sobre a Queda, o Dilúvio, o Cativeiro Egípcio e etc.
Para a Teologia
Reformada (evangélica/protestante) a Bíblia é a Palavra de Deus em sua totalidade
e está isenta de erros. Desde o século XVI, de Lutero até os dias de hoje,
cristãos de confissão reformada adotam o Sola Scripturacomo ponto
crucial da fé. Calvino (2006, p.72), o grande sistematizador da doutrina
reformada fala o seguinte quanto ao questionamento da procedência divina das
Escrituras:
Se, pois, quisermos
firmar a nossa consciência de modo que não permaneça agitada e em perpétua
dúvida, é preciso que coloquemos a autoridade da Escritura muito acima das
razões ou das circunstâncias ou das conjecturas humanas; quer dizer, é preciso
que a estabeleçamos como base no testemunho do Espírito Santo. Porque, ainda
que, por sua própria majestade, a Escritura nos leve a respeitá-la, não
obstante só começa a tocar-nos quando é selada em nosso coração pelo Espírito
Santo. [...] É graças à certeza dada por uma autoridade superior que
concluímos, que, sem dúvida nenhuma, a Escritura nos foi outorgada diretamente
por Deus.
Com isso, Calvino
defende que por ser um livro de revelação, a Bíblia precisa ser revelada a nós
através de uma ação soberana do próprio Deus, na pessoa do Espírito. O mesmo
processo revelacional ocorreu com os autores bíblicos que passaram por um
processo de inspiração para deixar registrada a Palavra de Deus como uma fonte
revelacional permanente e completa, ao ponto de não mais haver a necessidade de
uma outra (i.é. nova) revelação. Tudo o que precisamos saber sobre Deus está
registrado nos escritos do Antigo e do Novo Testamento. Assim, o primeiro
questionamento (a Bíblia é de Fato a Palavra de Deus?) está respondido.
Dizer que a Bíblia é
um livro inspirado é estar de acordo com que a mesma diz acerca de si própria
(2Tm 3:16). No entanto, a inspiração não foi um ditado divino. Deus usou as
características humanas de cada autor para dizer aquilo que deveria ser dito.
Muitos fazem confusão com esta informação e dizem que se existe este viés de
humanidade no processo de escrituração e o erro é inerente da condição humana,
logo, existe a possibilidade de ter erros na Bíblia. Barth é um exímio defensor
do errare humanum est. Embora isto seja verdade, não quer dizer que
os homens erram sempre em tudo que fazem, muito menos concluir que o erro é
necessário ao homem.
O homem é limitado
por ser finito, porém a finitude não o torna falível sempre. Há de se separar
onisciência de infalibilidade. Estas duas coisas estão conjuntas em Deus, não
nos homens. Como afirma Sproul (2012, p. 49): “Finitude significa uma
necessária limitação de conhecimento, mas não significa obrigatoriamente uma
distorção do conhecimento. A confiabilidade do texto bíblico não deve ser
negada com base na finitude do homem”.
Respondendo ao questionamento sobre a confiabilidade bíblica, sobretudo do Novo
Testamento, o mais questionado, apelamos para dois argumentos bastante
convincentes:
• Argumento Bibliográfico: Corresponde a lacuna do tempo histórico
em que o livro foi escrito e o manuscrito mais antigos que temos dele. Por
exemplo: O manuscrito da obra de Platão mais antigo que temos data de 1200 anos
após o filósofo grego ter escrito o original. Aristóteles também escreveu 1400
anos antes da cópia mais antiga que possuímos dele. Já o intervalo do original
para a cópia de um livro do NT é de apenas 100 anos, e temos esta certeza
graças a descoberta arqueológica do papiro de John Rylands.
• Argumento Manuscritológico: Corresponde a quantidade de cópias de um
presumível texto original. Quanto maior a quantidade de cópias, maiores são as
chances de identificar as imprecisões. Por exemplo: Temos sete cópias
manuscritas de Platão em todo o mundo. De Aristóteles temos apenas cinco
cópias. Em contrapartida, contando apenas as cópias gregas, o texto do Novo
Testamento é preservado em aproximadamente 5.686 porções manuscritas parciais e
completas que foram copiadas a mão a partir do século I até o século XV.
Além dos manuscritos
gregos, há várias traduções partindo do grego. Contando com as principais
traduções antigas em aramaico, copta, árabe, latim e outras línguas, há 9 mil
cópias do Novo Testamento. Isso dá um total de mais de 14 mil cópias do Novo
Testamento. Além disso, se compilarmos milhares de citações dos pais da igreja
primitiva dos séculos II a IV pode-se reconstruir todo o Novo Testamento com
exceção de onze versículos. De modo que se não for possível confiar na Bíblia, também deve ser posto em xeque a autenticidade de toda e
qualquer obra literária da Antiguidade.
Quanto a questão dos erros, o segmento reformado é categórico: Toda a Bíblia é inerrante. Lopes (2006) diz:
Ao dizer que a Bíblia
é inerrante, não estou negando que erros
de copistas se introduziram no longo processo de
transmissão da mesma. A inerrância é um atributo somente dos
autógrafos, ou seja, do texto como originalmente produzido pelos autores
inspirados por Deus. Muito embora hoje não
tenhamos mais os autógrafos, pela providência divina podemos recuperar seu conteúdo, preservado nas cópias,
quase que totalmente, através da ajuda de ferramentas como a baixa crítica ou a manuscritologia
bíblica. A ausência dos autógrafos não torna a
inerrância bíblica irrelevante, como dizem alguns. Senão temos os autógrafos
para provar que eles não contêm erros, eles também não os têm para provar que
contêm. Lembro que o ônus da prova é deles.
Alguns objetam com
passagens bíblicas que falam sobre o movimento
do sol em Josué e de catalogar morcego como ave, segundo Levítico, como se tais exemplos fossem
equívocos de cunho científico. Recomemos mais uma vez as palavras de Lopes
(2006):
Ao afirmar a
inerrância da Bíblia não estou ignorando que, com freqüência, as teorias científicas sobre a história da terra têm sido usadas para
desacreditar o relato bíblico da criação, do dilúvio e
sua cosmovisão geocêntrica. Entendo, contudo, que não é correto avaliar a veracidade da Bíblia
mediante padrões de verdade que são distintos do seu propósito e que se baseiam em conclusões provisórias,
efêmeras e freqüentemente desmentidas a posteriori por outros estudiosos e
cientistas. A Bíblia não é um livro científico, nos padrões modernos, e frequentemente se
refere aos fenômenos naturais usando a linguagem descritiva do observador, como
já mencionei, a qual não é cientificamente analítica.
Como observadores dos
fenômenos naturais, é totalmente aceitável que haja esse tipo de informação na
Bíblia. Em qualquer registro do mundo antigo teremos pessoas falando sobre o
movimento do sol e catalogando animais voadores como sendo aves. Até mesmo nos
filósofos gregos encontramos estas afirmações, que hoje nos soam absurdas.
Todavia, inaceitável seria se naquela época eles tivessem as informações
científicas que hoje temos.
Mediante a tudo o que já foi exposto, a Bíblia taxativamente provém de Deus,
sendo a Sua Palavra digna de confiança e inerrante. Mesmo utilizando-se de um
processo humano, ela é inspirada em sua totalidade. Assim rechaçamos o
posicionamento liberal e o barthiano. Esta é a posição ortodoxa, abraçada pelas
igrejas de credo reformado. Como está registrado na Confissão de Fé de
Westminster Capítulo 1, artigo V:
Pelo testemunho da
Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço da
Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua
doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o
escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz
do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências
incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente
se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e
certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna
do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos
corações. I Tim. 3:15; I João 2:20,27; João 16:13-14; I Cor. 2:10-12.
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Referências:
BEEKE, Joel R. Harmonia das
Confissões Reformadas. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.
CALVINO, João. As Institutas.
São Paulo: Volume 1, Editora Cultura Cristã,2006.
LOPES, Augustus Nicodemus. Sobre
a Inerrância da Bíblia.
Acesso em 20/06/2014.
LOPES, Augustus Nicodemus. Porque
o Barthianismo foi Chamado de Neo-Ortodoxia. Acesso em 20/06/2014.
SPROUL, R.C. Posso Crer na Bíblia? São
José dos Campos: Editora Fiel, 2012.
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