Dr.
Christopher H. Rosik
(NARTH.com)
— Tem chamado muita atenção ultimamente a recente “retratação” do
médico Robert Spitzer sobre o seu importante estudo sobre a mudança de
orientação sexual (Spitzer, 2003a). As aspas em “retratação” são propositais,
pois o que aconteceu não deveria ser caracterizado como retratação. Embora essa
reviravolta agora seja um dos assuntos favoritos dos que se opõem às terapias
reparativas, a linguagem da retratação reflete um discurso politicamente
motivado, e não uma análise científica. O objetivo do presente trabalho é
ajudar as pessoas que se encontram desorientadas pelas ações de Spitzer e pelo
frenesi da mídia em noticiá-las a entender o que realmente aconteceu. Esbocei
abaixo alguns pontos chave que parecem ter sido perdidos na utilização
partidária do ocorrido.
1.
Spitzer não se retratou do seu estudo. O termo apropriado para o que Spitzer
fez está no título da sua recente carta de desculpas: Ele reavaliou a própria
interpretação (Spitzer, 2012). Ao que parece, ele originalmente queria se
retratar do estudo de 2003, mas o editor do periódico em que o estudo foi
publicado, Dr. Zenneth Zucker, negou o pedido. Zucker foi citado com relação à
sua troca de mensagens com Spitzer da seguinte forma:
Você
pode se retratar de dados analisados incorretamente; para fazer isso, você
publica uma errata. Você pode se retratar de um artigo se os dados forem
falsificados, ou a própria redação se retrata caso o editor tenha ciência do
fato. Da forma como entendo, ele [Spitzer] só está dizendo, dez anos depois,
que ele quer se retratar da sua interpretação dos dados. Bem, provavelmente
teríamos que retratar centenas de trabalhos científicos com relação a
interpretação, e isso nós não fazemos. (Dreger, 2012)
O
que Zucker está dizendo, basicamente, é que não há nada no método científico do
estudo que justifique uma retratação, então tudo o que resta é mudar sua
interpretação das descobertas, que é o que Spitzer parece ter feito.
2.
A mudança de interpretação de Spitzer se baseia na sua nova crença de que os
relatos de mudança na sua pesquisa não eram confiáveis. Agora ele alega que os
testemunhos de mudanças dos participantes eram “autoengano ou pura mentira”
(Spitzer, 2012). Ao tomar essa posição, Spitzer se alinha aos críticos
originais do estudo. Quando o estudo original foi publicado, análises foram
encomendadas e publicadas na mesma época. Dentre os que questionaram a
confiabilidade dos relatos pessoais das mudanças escavam muitos opositores
conhecidos da terapia reparativa: A. Lee Beckstead, Helena Carlson, Kenneth
Cohen, Ritch Savin-Williams, Gregory Herek, Bruce Rind e Roger Worthington.
3.
A discussão com relação à credibilidade dos relatos de mudanças nos
participantes continua até hoje. Lembre-se de que nada a respeito do método
científico da pesquisa de Spitzer era falha. Assim como todos os esforços
científicos, a metodologia tinha limitações, mas um argumento lógico para
aceitar a validade desses relatos foi apresentado na época, e se mantem até
hoje. Na época em que o estudo foi publicado, Spitzer (2003a) relatou,
“...houve uma clara redução em todas as medições. Isso não foi apenas nas três
medições de comportamento sexual visível e identidade sexual... mas também as
sete variáveis que avaliam a orientação sexual propriamente dita” (p. 410).
Além disso, 119 dos 200 participantes relataram alcançar um “bom funcionamento
heterossexual”, definido em termos de aumento da satisfação em condutas sexuais
com o sexo oposto e redução da fantasia com pessoas do mesmo sexo.
Entre
os analistas que concordaram com a interpretação original de Spitzer, Wakefield
(2003) observou que, “...presumir sem provas de que os relatos de mudanças
devem ser fraudulentos foge à pergunta sobre se a mudança às vezes ocorre"
(p. 457). O próprio Spitzer (2003b) respondeu às críticas observando:
Portanto,
as críticas estão corretas ao declararem que uma quantidade considerável de
respostas enviezadas poderia ter ocorrido, mas ela certamente não se mostrou
presente. Eles também não levantaram nenhum ponto nos resultados do estudo que
sugeriram respostas tendenciosas. Reconheço que um viés certamente poderia ter
ocorrido, mas julgo difícil de acreditar que isso pode explicar todas as
mudanças relatadas... Certamente, se houvesse um viés, poderia-se esperar que
os voluntários (assim como seus cônjuges) ficariam motivados a fazer relatos
especialmente apaixonados sobre o funcionamento conjugal. Não foi o que
aconteceu. (p. 471)
É
curioso que o pedido de desculpas de Spitzer (2012) pareça insinuar que ele
anteriormente havia alegado que sua pesquisa provava a eficácia das terapias
reparativas. Como foi entendido na época, o projeto do estudo de Spitzer
garantiu que sua pesquisa não provasse em caráter definitivo a eficácia dessas
terapias. Ele certamente não provou que todos os homossexuais podem mudar sua
orientação sexual, nem que ela é simplesmente uma escolha. O fato de que
algumas pessoas tenham inapropriadamente chegado a tais conclusões parece ser
um fator determinante para a reavaliação de Spitzer. Mas ainda assim a questão
interpretativa fundamental foi e é reduzida a uma questão de plausibilidade:
Dadas as limitações do estudo, é plausível que alguns participantes da terapia
raparativa tenham relatado mudanças verdadeiras?
Apesar
de todo esse alarido recente da mídia, nada realmente mudou na escolha
interpretativa que se faz com relação às limitações dos relatos pessoais nesse
estudo. Ou todos os relatos sobre todos os graus de mudança de todos os
participantes e seus companheiros são autoenganos e/ou falsificações
deliberadas, ou eles sugerem que é possível que alguns indivíduos de fato
passem por mudanças nas dimensões da orientação sexual. Muitas pessoas podem
discordar sobre qual dessas conclusões interpretativas elas favorecem, mas
certamente não é anticientífico ou irracional continuar a acreditar que o estudo
apoia a plausibilidade das mudanças.
4.
Existe um padrão duplo não declarado nos relatórios de reavaliação de Spitzer.
A provável influência de fatores políticos e outros não científicos na forma
como a reavaliação de Spitzer está sendo retratada pode ser percebida em quais
relatos pessoais do estudo recebem projeções favoráveis e quais são isolados.
Yarhouse (2003) observou essa falta de coerência na época do estudo:
Relatos
de memória desse tipo podem não ser confiáveis. Mas, na verdade, boa parte do que
sabemos sobre experiências LGB, incluindo teorias sobre a etiologia da
orientação sexual e estudos sobre o desenvolvimento e a síntese da identidade
sexual é baseada em estudos retroativos feitos por meio de relatos de memória.
Sempre que os proponentes da hipótese biológica da etiologia do homossexualismo
citam o estudo de Bell et al. (1981), estão se referindo a um estudo que
utilizou lembranças retroativas. O estudo de Shidle e Schroeder (2002) também
se baseou nelas, e está sujeito ao mesmo tipo de crítica. (p. 462)
Spitzer
(2003b) fez observações similares ao defender suas descobertas, indicando que
características de demanda teriam influenciado os relatos dos participantes em
outras pesquisas relacionadas:
Esse
estudo tinha basicamente o mesmo planejamento e uma estratégia de recrutamento
de voluntários ex-gays parecidos com os estudos de Beckstead (2001) e Shidlo e
Schroeder (2002). Isso levanta a questão de por que tão poucos voluntários
deles deram respostas em consonância com uma mudança de orientação sexual, como
deram a maioria dos voluntários do meu estudo. A possibilidade de um viés do
pesquisador deve ser considerada. (p. 471)
Uma
aceitação triunfal costuma se seguir a publicações de relatos que sugerem que
existem danos associados a terapias reparativas, equivalências entre a
paternidade homossexual e heterossexual ou outros focos que se adequam às
narrações preferidas dos ativistas homossexuais. É lamentável, mas não
surpreendente, que relatos de mudanças de orientação sexual sofrem um duro
ceticismo enquanto que outros dados envolvendo relatos pessoais, como os de
Shidlo e Schroeder (2002) parecem ser concretizados como fatos universais,
mesmo sofrendo de limitações similares. Se o estudo de Spitzer for rejeitado
por seu uso de relatos pessoais, não deveriam as pesquisas metodologicamente
equivalentes contra as terapias reparativas receberem também uma recepção
cética? Embora a imparcialidade científica demandasse isso, os interesses
políticos claramente não.
5.
Contextos pessoais e sociopolíticos podem fornecer um discernimento melhor
sobre a reavaliação de Spitzer. Uma vez, anos atrás, conversei brevemente com o
dr. Spitzer por telefone logo após a publicação de sua pesquisa. Ele pareceu
ser um homem gentil e compassivo, que exemplificava o espírito da genuína
curiosidade científica. Sem dúvida ele lamentava o fato de alguns terem
utilizado seu trabalho para fazer alegações insustentáveis sobre a eficácia de
terapias reparativas, e isso pode ter resultado em expectativas frustradas por
alguns clientes gays e lésbicas. No entanto, certamente é possível que outras
preocupações além do bem-estar humano estivessem em jogo no seu pedido de
desculpas.
É
difícil imaginar a queda do status profissional que Spitzer sofreu em virtude
do estudo. Em um período muito curto de tempo, seu status dentro da profissão
mudou de um pioneiro heroico dos direitos homossexuais para o de um porta-voz
involuntário para os praticantes de terapias reparativas, considerados por
muitos colegas como moralmente repreensíveis. Antes e depois da publicação do
estudo, Spitzer confirmou que estava recebendo uma grande quantidade de
mensagens de ódio direcionadas a ele (Spitzer, 2003b; Vonholdt, 2000). Uma
década sendo duramente criticado por amigos, colegas e pela comunidade gay que
já o reverenciou certamente afetaria qualquer um de nós.
Spitzer
atualmente sofre de doença de Parkinson e está no fim da vida, o que torna
compreensível que ele reflita sobre o tipo de legado que quer deixar. Herói ou
vilão, ícone ou renegado: qual imagem uma pessoa iria querer deixar? Não posso
dizer com certeza que essas considerações não científicas influenciaram a
decisão de Spitzer de se “retratar” do estudo, mas posso dizer que é difícil
para mim conceber como elas não influenciaram. Spitzer provavelmente conhece
infinitamente mais gays e lésbicas do que indivíduos que relatam mudança na
orientação sexual. Isso pode ter tornado difícil para ele ver que, ao tentar
reparar o dano que gays e lésbicas da sua rede profissional alegaram ter
sofrido em virtude do estudo, ele simultaneamente causou dano aos participantes
do mesmo estudo que experimentaram mudanças e que agora estão sendo acusados de
ingênuos ou mentirosos. Tudo isso serve para ressaltar quão pessoal e subjetiva
a prática do discurso científico social pode ser quando o assunto está enredado
em um grande debate sociopolítico.
Conclusão
Uma
abordagem puramente científica às limitações da pesquisa de Spitzer seria
conduzir um estudo de prognóstico mais rigoroso, algo que ele e outros vêm
pregando o tempo todo (Spitzer, 2003a, 2003b; Jones, Rosik, Williams, &
Byrd, 2010). Mesmo o Relatório da Força-Tarefa da Associação Americana de
Psicologia sobre Respostas Terapêuticas Apropriadas à Orientação Sexual (APA
Task Force’s Report on Appropriate Therapeutic Responses to Sexual Orientation,
American Psychological Association, 2009) pediu para que esses estudos fossem
assegurados. Infelizmente, a realidade parece ser que a AAP e outras
instituições em posição de financiar e conduzir pesquisas de prognóstico em
terapias reparativas, em conjunto com a NARTH e outras praticantes de terapias
reparativas, parecem não ter interesse em fazê-lo. Eles não têm nada a ganhar
com tais pesquisas, uma vez que resultados desfavoráveis às terapias
reparativas não iriam mudar consideravelmente seu atual ceticismo, enquanto que
resultados favoráveis a elas seriam para eles, do ponto de vista das relações públicas
e da ordem pública, um desastre.
Duvido
que Spitzer iria se retratar da sua avaliação que reconhece a necessidade de
estudos posteriores (Spitzer, 2003b):
Dado
o custo e a complexidade desse tipo de estudo, além da visão atual dos
profissionais de saúde mental quanto aos benefícios e riscos da terapia
afirmativa de gênero, tal estudo não acontecerá em um futuro próximo. Isso é
lamentável devido às verdadeiras questões levantadas, embora declaradamente não
revolvidas, por este estudo (p. 472). 472).
Portanto,
em vez de mais e melhores estudos sobre terapias reparativas, vemos ativistas e
seus apoiadores na mídia se baseando em uma mudança de interpretação para
tentar evitar um legítimo debate científico. E às favas com a nuance, o
contexto e a análise equilibrada. O que parece mais patente é a utilização da
reavaliação de Spitzer para forçar a aceitação e o silêncio dos defensores de
terapias reparativas. Será realmente absurdo suspeitar que a ciência está sendo
feita refém das agendas políticas?
Espero
sinceramente que essa breve análise ajude a esclarecer o que aconteceu e o que
não aconteceu quando Spitzer se “retratou" do seu estudo anterior. Nenhuma
nova descoberta científica foi feita para descreditar as terapias reaparativas.
Nenhuma falha metodológica grave foi identificada. Os mesmos argumentos
utilizados em favor ou contra o estudo ainda estão em voga. O debate legítimo
sobre o significado do estudo ainda pode e deve ser feito. Nada mudou a não ser
o fato de Spitzer ter revisto sua interpretação anterior em razão do que é
provavelmente uma série de razões compreensíveis mas inerentemente não
científicas. É direito dele de fazê-lo, mas não deixe ninguém lhe dizer que, ao
fazê-lo, ele descreditou o próprio estudo ou interpretações alternativas mais favoráveis
aos que relatam mudanças no seu comportamento e na sua atração com pessoas do
mesmo sexo.
Referências
Beckstead,
A. L. (2001). Cures versus choice: Agendas in sexual reorientation therapy.
Journal of Gay and Lesbian Psychotherapy, 5(3/4), 87-115.
Bell,
A. P., Weinberg, M. S., & Hammersmith, S. K. (1981). Sexual preference: Its
development in
men and women. Bloomington, IN: Indiana University Press.
Jones,
S. L., Rosik, C. H., Williams, R. N., & Byrd, A. D. (2010). A Scientific,
Conceptual, and Ethical Critique of the Report of the APA Task Force on Sexual
Orientation. The General Psychologist, 45(2), 7-18. Disponível em:http://www.apa.org/divisions/div1/news/fall2010/Fall%202010%20TGP.pdf
Shidlo,
A., & Schroeder, M. (2002). Changing sexual orientation: A consumers’
report. Professional Psychology: Research and Practice, 33, 249-259.
Spitzer,
R. L. (2003a). Can some gay men and lesbians change their sexual orientation?
200 participants reporting a change from homosexual to heterosexual
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Spitzer,
R. L. (2003b). Reply: Study results should not be dismissed and justify further
research on the efficacy of sexual reorientation therapy. Archives of Sexual
Behavior, 32(5), 469-472.
Spitzer,
R. L. (2012). Spitzer reassesses his 2003 study of reparative therapy of
homosexuality [Carta ao editor]. Archives of Sexual Behavior. Advance online
publication. doi: 10.1007/s10508-012-9966-y
Wakefield,
J. C. (2003). Sexual reorientation therapy: Is it ever ethical? Can it ever
change sexual orientation? Archives of Sexual Behavior, 32(5), p. 457-459.
Yarhouse,
M. A. (2003). How Spitzer’s study gives a voice to the disenfranchised within a
minority group. Archives of Sexual Behavior, 32(5), 462-463.
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