“Primeiro
combinamos, em seguida decompomos, dissolvemos o decomposto, depuramos o
dividido, juntamos o purificado e solidificamo-lo. Deste modo, o homem e a
mulher transformam-se num só.”
Büchlein vom Stein des
Weisen, 1778
Lisboa! Quando falamos desta
cidade é difícil encontrar argumentos que definam a sua beleza e grandiosidade,
pois são simplesmente as suas imagens que nos invadem o mais profundo e intimo
do ser e compadecem harmoniosamente com a sensação de que a ela pertencemos.
No
que toca às suas raízes fundadoras, ela apresenta uma tradição que passou ao
longo dos séculos e contribuiu para o que é hoje. Desde o Paleolítico Inferior
até ao Superior, aos Ligures, Celtas, Lusitanos, Romanos, Suevos, Alanos,
Visigóticos, Judeus, Árabes, Moçárabes e Cristãos até aos dias de hoje, Lisboa
sempre foi local desejado e de culto. Já Fernando Pessoa dizia: “O mito é o
nada que é tudo”, e por detrás de cada mito existe sempre uma
certa verdade velada ou oculta que mobiliza o motor psicossocial. Lisboa é
exemplo disso mesmo, no que toca à mitologia da sua fundação. De acordo com
ela, teria sido fundada pelo Chefe dos Argonautas gregos, Ulisses, que
aqui se apaixonara pela belíssima Rainha Ofiússa, a Deusa-Serpente.
Toda a história mitológica de Ulisses (Sol) e Ulissipa ou Ofiússa (Lua)
caracterizam a fundação mítica da cidade nesse período dos semi-deuses Gregos,
originando o nome Olisipo (aproveitando o termo celta já existente, Olisipon,
“lugar de cavalos”, justificativa filológica até hoje prevalecendo graças ao
valor célebre do cavalo lusitano). Posteriormente os Romanos,
sabendo da história da fundação mítica da cidade e aproveitando o termo ligure lyx (vocábulo
referente às águas do Tejo) para o converter em lux (“água
santa”, que na altura deveria ser as das diversas nascentes, possuídas de
propriedades minerais ótimas para a saúde, dispersas pela Lisboa ribeirinha),
e igualmente pegando no derivado da palavra Olisipo que seria Olisipona,
transformariam esta em Ulyssipona, e daí em Ulyssibona.
Depois seriam os Árabes a ainda aproveitar o termo lyx sob a
forma lix, transformando o nome em Lixbona(“águas
boas”) que mais tarde, após a Reconquista cristã, se tornaria na que hoje
conhecemos: Lisboa.
Quando
estudamos a origem dos etimólogos que foram se articulando até ao formato
actual, como o de Lisboa, somos levados de um “nada que é tudo” a
uma verdade que acolhe os princípios ocultos desta cidade. O termo celta Olisipon designá-la-ia
como “lugar de cavalos”, mas sendo que “cavalo” igualmente encontra a derivação
filológica seguinte: Cavalo, Caballo, Cabala,
esta como Tradição Iniciática, tal qual se encontra na história
simbólica de Ulisses e a Deusa-Serpente ou Telúrica Ofiússa,
a qual vai de encontro, mais uma vez, à mesma verdade, pois a serpentesimbolicamente
significa Tradição, Iniciação e Imortalidade.
Em relação ao formato actual do étimo Lisboa, decompondo a palavra
em Lis+Boa revelamos o mesmo, poisLis é a Flor-de-Lis,
símbolo da Boa Lei e do Governo Espiritual do Mundo chefiado
pelo seu Rei ou Imperador Universal, Melki-Tsedek, igualmente
simbólica da cidade reservando nas suas hastes os sentidos de Soberania, Mistério e Iniciação.
Após
o terremoto de 1755, Lisboa foi reerguida pela genialidade e “iluminação” do
ministro real Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido por Marquês
de Pombal. Nesse enorme e importantíssimo feito o Marquês de Pombal,
rodeado por uma corte de maçons operáticos e cabalistas sábios, teve como
arquitecto principal o húngaro Carlos Mardel. Dispostos a fazer
desta Lisboa despedaçada pela “Ira Divina” uma nova Elisipólis (segundo
o outro mito bíblico, não grego, da fundação de Lisboa), o seu esquisso baseado
na Arquitectura Sagrada veio a ser a confirmação disso mesmo. Com as suas
inovações de ruas amplas e praças largas, constitui-se assim aBaixa
Pombalina, entre o Terreiro do Paço e o Rossio. Todo este novo imóvel
trabalhado e fixado para a eternidade, centralizou-se no na Praça do
Rossio assente no modelo arquitectónico romano designado Mundus,
o qual define a Cidade Eleita como o Centro de Ordenação do Mundo, ou seja,
quis-se nisto que Lisboa seria o próprio Centro do Mundo,
em conformidade com o pensamento sagrado da Cosmologia tradicional.
Toda
essa sabedoria e esclarecimento de Carlos Mardel foram adaptados à Tradição Espiritual
Portuguesa por via da sua ligação à ilustre Casa dos 24, inaugurada
por D. João I como reguladora dos mesteres ou diferentes
ofícios na cidade, dentre eles os dos arquitectos e pedreiros, neste caso, Maçonaria
Operativa, os quais se reuniam na igreja de S. José dos Carpinteiros.
Igualmente desempenhou cargo de relevo na primeira Obediência Maçónica
Portuguesa, a Casa Real dos Maçons da Lusitânia.
Tendo
a Maçonaria como função psicossocial a operação da regeneração mental e moral
do Homem levando-o a lapidar a sua pedra bruta (personalidade)
numa pedra cúbica pontiaguda (Individualidade), de
forma a tornar o coletivo uma Sociedade Humana mais Justa e Perfeita, a sua
denominação genérica estabeleceu-se como Arte Real. No entanto,
esse termo não é especifico e particular da Maçonaria, pois há uma outra
doutrina muito mais antiga (na qual a Maçonaria Especulativa bebeu muitíssimo
no seu início, século XVIII) que é também e por excelência Arte Real,
a Alquimia. Orapartindo do Terreiro do Paço, passando pela Rua
Augusta até chegar ao Rossio,observa-se a existência de figuras,
elementos e símbolos arquitectónicos oriundos daTradição Hermética de
quem a Alquimia é o seu corpo, ou seja, o Corpus
Hermeticum.
O
que é a Alquimia?
Quando se fala em Alquimia, miserável e
instantaneamente associa-se a fantasia, a superstição, a feitiçaria…Algumas
mentes, ainda assim um pouco mais informadas, lá vão dizendo, pobremente, que
ela foi a “mãe da Química”, enquanto outros simplesmente dizem, sem nada dizer,
tratar-se de uma “ciência hermética e oculta”. Mesmo não deixando de ser
verdade, tenho a dizer que essas são definições bastante redutoras e medíocres,
pois a Alquimia é muito mais do que uma simples “ciência oculta”, “mãe da
Química” e muito menos uma “fantasia” ou uma “ciência de charlatães e
vigaristas”. Para ela apresento uma definição que, na minha opinião, expressa
muito bem aquilo que é aAlquimia e ao que ela se propõe, do autor
Michael Noize:
Conjunto
de doutrinas e práticas baseado na teoria das correspondências, das acções
recíprocas, numa concepção unitária da matéria e na ideia de os metais se
encontrarem em gestação na mina e nascerem enfermos. Conjunto enriquecido com
ideias neo-platónicas e neo-aristotélicas, cuja aplicação deveria permitir a
perfeição do manipulador e do seu material, graças a uma determinada operação
místico-química. Tal operação consiste em, recorrendo-se a um processo natural,
levar uma matéria, mantida secreta, ao estádio de perfeição, extensiva a todo o
reino metálico. Por outro lado, tal operação deverá permitir a obtenção de
determinados produtos que se administrarão como panaceia. Uma aura impenetrável
de mistério paira sobre este conjunto, que deverá conferir ao Adepto a
segurança material, a cura dos males físicos e a iluminação, tanto espiritual
como intelectual.
Alquimia, para o público
comum, também é sinónima de Pedra Filosofal, o Lapis
Philosophorum, que supostamente permitirá ao Alquimista obter de uma
“derivação” dela, a Panaceia Universal ou Medicina
Universal e o Pó de Projecção, de forma a realizar a
transmutação dos metais em ouro. Hoje, a Alquimia continua sendo vítima da
ignorância da informação, antes, da desinformação, a qual simplesmente apercebe
o seu limiar mais superficial. Na sociedade materialista, consumista e
facilitista dos dias de hoje, também não me surpreende que surjam autores e
livros a afirmar que “descobriram a Pedra Filosofal” e que o “mistério dos
Tempos foi encontrado”, como se fosse possível um Adepto Real fazer propaganda
profana da sua grandeza espiritual, e como se isso fosse o mais interessante
que há na Alquimia. Como o respeitável leitor acabou de verificar na definição
dada acima, a Pedra Filosofal é o resultado final da Grande
Obra, ou Opus Magnum, que corresponde à Iluminação
Espiritual do Adepto, por seus próprios esforços e méritos após
sacrifícios imensos num permanente ora et labora, indo torná-lo um
Ser discreto e sigiloso, apartado de toda a poluição psicomental, absolutamente
ao contrário aos espaventos, com mais ou menos carisma e mais ou menos
espectáculo próprio para alimentar emoções fortes de mentes fracas, correndo na
“praça pública”.
Breve
História da Alquimia e Alquimia em Portugal
As origens da Alquimia, segundo os
investigadores desta temática, parecem advir do Antigo Egipto. No entanto, os
factos até à actualidade apontam o seu início apenas no Oriente, mais
especificamente na China. Para além do seu lado Operativo, a Alquimia
Especulativa Chinesa (século VI), tendo tido nomes importantes como Lao
Tsé e Ko Hung, foi absorvida posteriormente pelo Taoismo
(século XIII), a Filosofia Hindu e a Hatha-Yoga. No Mundo Árabe, ela foi
influenciada através da Escola de Alexandria que integrou nomes
importantíssimos como Geber (que estabeleceu o princípio do Enxofre-Mercúrio), Razes(estabelecedor
do princípio trinitário do Enxofre-Mercúrio-Sal) e Avicena (que
associouAlquimia e Medicina). Com o contacto do Ocidente cristão com o
Oriente islâmico nos séculos XII e XIII, a Alquimia seria profundamente
influenciada por ambas as correntes religiosas, e foi assim que exerceu a sua
influência espiritual em toda a Europa ao longo de vários séculos. O alemão Alberto
Magno (Alquimia Laboratorial ou Operativa e Discursiva ou
Especulativa) e o seu discípulo Tomás de Aquino (Alquimia não
Operativa), o inglês Roger Bacon (perseguido pela Igreja,
pontificando o Papa Urbano IV), os espanhóis Arnaldo de Vilanova (valenciano,
que também foi perseguido pelo Clero) e o seu iniciador e amigoRaimundo
Lúlio (maiorquino), assim o famoso francês Nicholas Flamel,
são alguns nomes célebres de Adeptos Herméticos ou Filósofos do Fogo (Philosophum
per Ignium). Já durante a Europa dos fins da Idade Média, Renascença e
Modernidade tivemos o grande Adepto suíço Philippus Theophrastus
Bombast, ou seja, Paracelso (Alquimia e Medicina,
antes, Taumaturgia, tal como Avicena), os alemães Bernard
Trevisan e Basílio Valentim, de Bruxelas (Bélgica), Van
Helmont (século XVII, seguidor de Paracelso). Nos séculos
XVII e XVIII, Ireneu Filaleto (Adepto Thomas Vaughan), Alexandre
Sethon (também conhecido porCosmopolita) e Lascaris.
No século XVIII a Alquimia passa por um período negro de má reputação devido às
controvérsias geradas pelos racionalistas e enciclopedistas franceses,
questionando tudo e todos, contudo, Ordens Iniciáticas como a Rosa+Cruz e
a Maçonaria, apesar de toda a controvérsia especulativa como
“fermento” das posteriores condições de materialismo e ateísmo, não deixaram de
aplicar com magnificência e êxito os segredos daArte Real, surgindo,
ligadas a elas, figuras ilustríssimas como os misteriosos Condes deCagliostro e Saint
Germain (ou São Germano). No século XIX tivemos Cyliani e D`Espagnet,
e já no século XX o misterioso e popular Fulcanelli, pseudónimo dum
Alquimista francês muito conhecido, como também o francês Armand Barbault (de
quem alguns afirmam que praticava mais a Espagíria, “ciência dos
elixires”, do que a Alquimia, “ciência dos metais”).
Relativamente
a Portugal, já é sabido que a Tradição Alquímica também teve os seus dias de
glória e os seus Alquimistas para serem celebrados no Panteão da Honra. Existem
indícios de ter havido prática alquimista no Convento de Cristo, em
Tomar (contudo, ao que tudo indica, mais que à Crisopeia e Argiopeia,
“fábricas do Ouro e da Prata filosofais”, dedicar-se-iam à Espagíria,
à concepção de medicamentos para ajudar os mais necessitados, tal qual
acontecia no Convento dos Capuchos, em Sintra), como igualmente no Mosteiro
de Odivelas, de acordo com o testemunho de D. Feliciana de Milão
(1642-1705), que aí redigiu o seu Discurso sobre a Pedra
Filosofal, e também no Convento do Carmo, Lisboa, onde está
um túmulo em cuja ilustração se vê um Alquimista rodeado dos instrumentos da
Arte. Também se sabe que este pequeno país discretamente plantado à beira-mar
no Extremo Ocidente da Europa, foi ponto obrigatório de visita e partilha de
conhecimentos da Arte Real por grandes nomes da Alquimia, como
Raimundo Lúlio e Arnaldo Vilanova, facto relatado pelos próprios, e também o
grande e excelso Paracelso, segundo o autor Amorim da Costa, teria passado por
terras lusas, estado em Lisboa, e partilhado conhecimentos alquímicos com
Iniciados nesta Arte.
Túmulo com alegoria alquímica no
Convento do Carmo, Lisboa
Relativamente aos Alquimistas
portugueses, são conhecidos vários desde o século XIII, como Pedro Hispano (o
único Papa português, denominado João XXI) que teve contacto com o
Mestre Alberto Magno e o seu discípulo Tomás de Aquino,
deixando um único tratado alquímico sobre as águas: Tractatus
Mirabilis Aquarum. No século XV, o nosso “Rei Alquimista” D.
Afonso V, da Dinastia de Avis e cognominado o Africano, deixou
para a História o seu tratado sobre a feitura da Pedra Filosofal dividido em
duas partes: Lapis Philosophorum e Divisão
dos Quatro Elementos, que posteriormente foi furtado do gabinete do
monarca e andou transviado em edições de “cordel” por terras inglesas e
espanholas, até que cerca de 1980 Vitor Manuel Adrião recuperou-o para
Portugal. Em 1557 o Padre António de Gouveia, o “Padre do Oiro”,
natural dos Açores, que viajara a maior parte da sua vida pela Europa afora,
foi acusado pela Inquisição de que sabya fazer outras cousas grandes
como era a lapis filososuforu, a Pedra Filosofal, e inclusive ofereceu-se
no Palácio de D. Isabel de Albuquerque para transmutar a prata em ouro; Frei
Vicente Nogueira, que apresentava uma biblioteca com várias obras
influentes de Alquimia, que a Inquisição mandou queimar. No século XVII, Pedro
Nunes, que foi testamentário do famoso Alquimista inglês John Dee; Duarte
Madeira Arrais e o seu livro Novae Philosophiae. No
século XVIII, Raphael Bluteau, justamente consignado o “Hermes
Lusitano”, nascido em Inglaterra de pais franceses e terminando a vida em
Portugal, foi protegido pela rainha Dona Maria Francisca de Sabóia, esposa do
rei Afonso VI de Portugal, e depois por D. Pedro II de Portugal e ajudado por
D. João V para que as suas obras fossem todas impressas; outra figura de enorme
relevo na Alquimia portuguesa, foi o médico e familiar do Santo Oficio,Anselmo
Caetano Munhoz de Abreu Gusmão e Castelo Branco, com a sua famosa obra Ennoea
ou Applicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal; temos ainda um
autor desconhecido de 1724, que publicou um livro só com imagens alquímicas e
sem comentários, portanto, um liber mutus intitulado Veritas
Hermetica Veritatem Qvaerenti, documento que pertenceu à
biblioteca do rei D. Carlos; e o próprio Bartolomeu Gusmão,
pressuposto o primeiro aviador do mundo com a sua “passarola” no século XVIII,
também foi suspeito de práticas alquímicas, contudo, não há provas concretas.
Ainda no século XVIII, pelas razões já indicadas atrás, sabe-se que a Arte Real
foi descredibilizada e, com isso, muitos Alquimistas da altura remeteram-se ao
sigilo total, facto relatado por Francisco de Castro na sua Ronda de
Lisboa. No século XIX, é também sabido pela difusão pública feita em
primeira mão por Vitor Manuel Adrião desde 1985, que o ilustre e iluminado
luso-brasileiro, António Augusto Carvalho Monteiro, criador do
maior dos patrimónios esotéricos de cariz nacional em Portugal, a Quinta
da Regaleira, também conhecida como a “Mansão Filosofal de Sintra”,
igualmente se dedicou à Alquimia.
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