Por Kleber Olympio
O Evangelho é pautado pelo amor.
Claro que poderíamos escrever um livro sobre esse assunto. Sem amor, o que seria de nós? Com amor, tudo foi feito por Deus. Pelo amor, obediente, exercido na prática, Nosso Senhor Jesus Cristo se entregou pelos nossos pecados lá na cruz do Calvário. Tudo isso sabemos.
O que muitas vezes pode nos inquietar é a real dimensão desse amor. Incondicional, segundo a Palavra de Deus, é o amor que o Senhor sente por nós, pecadores. E nos exorta a fazer o mesmo, vez que devemos imitar a Cristo em tudo. Amor que se dedica aos outros, sempre em obediência à vontade do Pai.
Um momento. Paremos na seguinte frase, que acabei de lançar: “amor que se dedica aos outros”. Até que ponto fazemos isso?
Muitos, ao ingressarem na carreira cristã, se vêem confrontados em “espalhar” a mensagem do Evangelho. Só que falta, por vezes, um preparo adequado, ou conhecimento bíblico suficiente para responder a questões lançadas por incrédulos, ou mesmo modos de abordar. Qual a primeira alternativa que muitos têm em mente para falar de Cristo ao incrédulo? Distribuição de folhetos. Tanto é que em muitas reuniões para “estratégias de evangelismo”, notadamente em praça pública, em grandes eventos ou no meio da rua, basta entregar um folheto evangelístico que tudo se resolve. Basta um sorriso bonito, cativante, por vezes para disfarçar o medo de uma possível confrontação, que a obra do Senhor é feita.
Não quero chegar no mérito de que, estatisticamente, o método evangelístico de folhetos é um dos menos eficazes. Há quem já tenha se convertido, lendo um folheto? Com certeza; nosso Deus é poderoso para fazer maravilhas, e suscitar convertidos dos modos mais criativos possíveis e inimagináveis. O objetivo desse estudo é levar você, leitor, a uma reflexão sobre o nosso papel como evangelistas, mensageiros do Reino de Deus, numa sociedade cada vez mais corrompida.
Há uma grande diferença entre os sentidos, que nos permitem entrar em contato com o mundo exterior. Dizem que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. É verdade. Por vezes, um jeito de andar, de se expressar, que corretamente observado por alguém, podem falar muito mais do que meras palavras. Como que os jornalistas se apresentam na televisão? Com camisa regata, sem camisa, roupas destoantes? Nada disso. Há algo importante a se comunicar. A roupa tem de ser adequada ao momento. Da mesma maneira, um jornalista esportivo também não pode usar roupas sóbrias demais, por não transmitirem vida ao que lêem, ou na sua interatividade com o telespectador.
Da mesma maneira, na vida cristã, nossa “roupa” fala muito. Vertendo a uma linguagem sem rodeios: o nosso testemunho. O que vivemos corrobora o que falamos, ou talvez não. Falamos com a língua, mas nosso corpo, movimentos, olhares, falam até mais forte.
E qual a relação com os folhetos? E, principalmente, o presente estudo não tem por título “Você conhece as Quatro Leis Espirituais? – Um comentário”? O que há de errado com esse material?
O problema, insisto, não está na distribuição de folhetos. Nem na análise das Quatro Leis Espirituais (se bem que existem muitas mais). Está no modo de se passar esse material adiante, especialmente por aquele que, recentemente, ouviu falar de um Deus maravilhoso, que salva o pecador da perdição eterna.
Acontece que, por vezes, o que pauta é a necessidade do momento, da evangelização instantânea. Dói saber que existem pastores que conseguem “evangelizar”, racionalmente, uma pessoa em apenas dez minutos, e gabam-se disso, como se o Espírito Santo fosse limitado a atender prontamente às suas ordens humanas...
O que acontece com o crente? Aonde está o amor, a vida? Não diz a Bíblia “cri, por isso falei”? A mesma Palavra não nos exorta a testemunhar daquilo que temos visto e ouvido, mas também vivido?
Duro é saber que existem pessoas que se interessam em passar esses folhetos como se isso bastasse para a pessoa ser convertida ao Evangelho. Ou, então, abordar uma pessoa, pedir alguns minutos para explicar-lhe as quatro “leis” espirituais. Que adianta puramente tocar o intelecto, a razão da pessoa, falando-lhe para seguir determinados passos, a fim de que ela tenha pronta solução para os seus problemas?
A quem poderíamos comparar o crente, nessas horas, especialmente quando ele leva o folheto das “Quatro Leis Espirituais”? A uma vendedora de cosméticos, ou a um corretor de seguros, por exemplo. Tranqüilamente. Toca-se a racionalidade, pois o “doutrinador” tem apenas de ler o folheto, fazer o possível para manter a atenção dela e, após ilustrações de “trenzinhos” e termos evangélicos, praticamente forçá-la a “tomar uma decisão”, ainda pressionando-a de que aquela pode ser sua última oportunidade de “aceitar” a Cristo – como se dependesse dela tal coisa. Proposta irrecusável? Claro! Sendo coagido, quem não “aceitaria”?
Tenho em minhas mãos nesse momento um folheto dito “evangelístico”, que começa assim: “20000 GRAUS! E SEM UMA GOTA D’ÁGUA – O INFERNO DE FOGO – ALMAS PERDIDAS E TORTURADAS QUEIMANDO PARA SEMPRE!” (maiúsculas conforme o original). Detalhe: a capa mostra pessoas apavoradas queimando em meio às chamas e a suposta figura do diabo, exibindo satisfação... Há diversas palavras e trechos em negrito, como “inferno”, “inferno de fogo”, versículos fora de contexto (parábola do rico e Lázaro, que fala obediência aos mandamentos divinos, não de condenação eterna), passagens como Mateus 25:41b, que no original exorta à vigilância, mas que é reproduzido em letras garrafais: “... apartai-vos de mim, malditos...”. Tudo isso para a pessoa, sob pressão, sob ameaça de ir para o “inferno de fogo”, confessar numa simples oração de que quer a salvação (“faça agora mesmo uma escolha eterna”).
Quando achei esse folheto “evangelístico” na rua, fiquei assustado. Não por falta de segurança de salvação, pois tenho certeza de que Cristo um dia me salvou, mas pelo modo nada amistoso pelo qual a mensagem foi passada. Aonde está o amor aos perdidos, com folhetos violentos como esse? Ou com um material, que me obriga a seguir leis para me submeter a outras leis, só que espirituais? Por que transmitir a mensagem do Evangelho agredindo a quem já está, em tese, condenado à perdição eterna? O incrédulo funciona “pegando no tranco”?
Quanta falta de amor e compaixão pelas pessoas! O crente não tem tido misericórdia dos perdidos! Trata-os como pessoas ímpias, desonestas, abomináveis, e se esquece que ele próprio já foi um perdido, e que a diferença reside apenas na presença do Espírito Santo, concedido a todo aquele que crê em Jesus. O crente que toma essas atitudes busca se justificar de que modo? Dizendo ao mundo que é perfeito, que nem lhe passa pela cabeça pecar, que é santo, íntegro, bondoso e amoroso? E quanto a aceitar o indivíduo como ele é, com suas fraquezas, impurezas, feridas que o pecado lhe causou até agora?
Às vezes chego a não valorizar tanto o nosso acesso à palavra escrita. Na época de Jesus e dos apóstolos, as pessoas viam o amor deles. Sentiam a presença de Deus, resgatando os seus eleitos e amados. A comunicação de vida era mais intensa, presente. O evangelismo considerava mais a pessoa do que as estratégias. Fazia-se mais amizade, havia mais proximidade, não o despejar na pessoa um amontoado de frases feitas, versículos fora do contexto, chamando à autoridade as Escrituras de um modo violento, mecânico e fatalista, regido por “passos e etapas”.
Uma vida é transformada por algumas palavras de coação? Basta eu então falar para a pessoa repetir uma oração comigo para que ela venha a crer em Cristo? O pior é, depois desse espetáculo todo, deixá-la à vontade para, se quiser, congregar-se, ler a Bíblia, sem qualquer acompanhamento. Se não fizer isso, é sinal de que não “aceitou” mesmo a Jesus, e por isso não devemos perder tempo, pois há “muito território para conquistar para o Reino de Deus na Terra”.
O confessar a Cristo é algo coercitivo, ou algo que brota de um coração regenerado? Pior é passar por cima da soberania divina, usando estratégias violentas como essas, para obrigar a pessoa a “fazer uma escolha eterna” e, se não o for pelo método indutivo-racional, o será por coação moral irresistível.
Como está o coração do leitor nesse momento? O meu está doído, machucado, indignado com tamanha frieza pelo Evangelho. Acredito que os opositores às idéias aqui esboçadas deveriam rever seus padrões de amor ao Senhor, à sua Palavra e aos perdidos, e seguir o conselho do Espírito à igreja de Éfeso (Apocalipse 2:4-5), e voltar ao primeiro amor.
Aonde está a vida do anunciante do Evangelho? O contato íntimo, de quem conhece os problemas do indivíduo, as fraquezas, as necessidades mais latentes da alma, do coração?
Que possamos nos compadecer das pessoas, amarmos de verdade aquele que está perecendo, e ao invés de ameaçarmos e falarmos de quatro leis espirituais, possamos exercitar aquele que é o maior mandamento, acima de qualquer lei: “ama o teu próximo como a ti mesmo” (Marcos 12:31).
Deus nos quer por inteiro, não apenas no exercício da nossa racionalidade.