A somali Waris Dirie escreveu livro que inspirou filme em cartaz esta semana.Em todo o mundo, até 140 milhões de mulheres sofrem com mutilação.
Giovana Sanchez Do G1, em São Paulo
Menina de quatro anos é circuncidada em Sulaimaniyah, no Curdistão iraquiano, em abril de 2009 (Foto: AFP)
Ela mora com a família em uma casa alugada na Etiópia e disse que está tentando convencer a cunhada a não circuncidar as filhas. "Estou confrontando a mutilação na minha própria família. Meu irmão tem seis meninas, todas menores de idade e que vivem no deserto. Minha cunhada quer mutilá-las. Por causa disso eu estou tentando trazer as meninas para um lugar seguro. Isso tira meu sono todas as noites."
Ocorrências Estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que entre 100 e 140 milhões de meninas e mulheres vivem hoje sob consequências da mutilação - a maioria na África. A organização tem uma campanha contra a prática, que considera prejudicial à saúde da mulher e uma violação dos direitos humanos.
Um estudo da ONG Humans Rights Watch de junho deste ano (clique para ler a pesquisa, em inglês) mostra que, no Curdistão iraquiano, 40,7% das meninas e mulheres de 11 a 24 anos passaram por mutilação.
Uma declaração da OMS de 2008 contra a prática diz que a mutilação "é uma manifestação de desigualdade de gênero, [...] uma forma de controle social sobre a mulher" e que é geralmente apoiada tanto por homens quanto por mulheres. Segundo o texto, algumas comunidades entendem a circuncisão como artifício para reprimir o desejo sexual, garantir a fidelidade conjugal e manter as jovens "limpas" e "belas".
"Não tem nada a ver com religião. Todas as meninas que são vítimas de FGM [mutilação genital feminina, na sigla em inglês] também são vítimas do casamento forçado. A maioria é vendida quando criança a homens mais velhos. Eles não pagariam por uma noiva que não é mutilada. É uma vergonha para nossas comunidades, para os países que permitem a prática. Os homens temem a sexualidade feminina, essa é a verdade", explica Dirie.
Danos à saúde
A OMS divide a prática em quatro tipos: o tipo 1 é a remoção total ou parcial do clitóris; o tipo 2 é a retirada do clitóris e dos pequenos lábios; o terceiro tipo envolve o estreitamento do orifício vaginal pela criação de uma membrana selante, corte ou aposição dos pequenos lábios e/ou dos grandes lábios (a chamada infibulação); o tipo 4 é qualquer outra forma de intervenção por razão não médica. Os primeiros dois tipos correspondem a 90% das ocorrências de mutilação, segundo a OMS.
Polêmica nos EUA
No começo do mês de junho, a Academia Americana de Pediatria (AAP) dos EUA emitiu uma declaração indicando que talvez fosse melhor que os médicos fossem autorizados a realizar uma forma leve de circuncisão feminina nas clínicas americanas do que deixar as famílias enviarem as filhas para os países de origem que realizam o procedimento de maneira rudimentar e sem segurança. O texto gerou polêmica e muitas críticas de organizações de direitos humanos - a mutilação genital feminina é proibida por lei nos EUA - e foi retirado pela AAP.
Em entrevista ao G1 por e-mail, a presidente da AAP, Judith Palfrey, disse que a AAP "é contra todas as formas de mutilação e nunca recomendou a prática. Uma confusão foi gerada a partir de uma discussão acadêmica". A relatora da declaração, Dena Davis, disse que médicos acreditam que algumas meninas estão sendo levadas a países africanos para a realização da prática, embora não haja dados sobre isso. "O objetivo do texto era educar os médicos para tentar orientar as famílias que pedem pelo procedimento."
"A prática continua porque o mundo não toma nenhuma atitude séria contra isso, nem a ONU nem nenhum outro país do mundo. Encontrei muitos políticos. E ouvi muito 'blábláblá'. Mas não vejo nenhuma atitude séria para acabar com esse crime", protesta Dirie.
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